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DIÁLOGO ABERTO, O ORIGINAL, é um espaço interativo cuja finalidade é a discussão. A partir de abordagens relacionadas a muitos temas diversos, dos mais complexos aos mais práticos, entre teologia, filosofia, política, economia, direito, dia a dia, entretenimento, etc; propõe um novo modo de análise e argumentação sobre inúmeras convenções atuais, e isso, em uma esfera religiosa, humana, geral. Fazendo uso de linguagem acessível, visa à promoção e à saliência de debates e exposições provocadoras, a afim de gerar ou despertar, em o leitor, um espírito crítico e questionador.

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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Entrevista com Madihah, uma sobrevivente da chacina de Jericó- Parte 1

1. Esta é uma entrevista com Madihah, uma sobrevivente da chacina realizada por Israel, liderada por Josué, a Jericó. Ela conta, condensadamente, algumas das principais coisas que ocorreram naquele dia, de muito choro e sofrimento. Leia, e tente perceber o sentido real dessas palavras, pois foi o que esta pobre mulher vivenciou.


"Gritou, pois, o povo, tocando os sacerdotes as buzinas; e sucedeu que, ouvindo o povo o sonido da buzina, gritou o povo com grande brado; e o muro caiu abaixo, e o povo subiu à cidade, cada um em frente de si, e tomaram a cidade. E tudo o quanto havia na cidade destruíram completamente ao fio da espada, desde o homem até à mulher, desde a criança até aos idosos, e até ao boi e ao bezerro, e ao jumento". Josué 6.20-21




-Conta-nos o que aconteceu naquele dia, narra-nos aquilo que conseguires rememorar...

-Tentarei dizer tudo, pois lembro-me bem como foi, aquele dia de sangue, de ira e de pavor... Procurarei lhe contar, com o ânimo que me resta [...], perdoe-me as lágrimas. Elas nunca mais saíram de meus olhos após aquele dia. Dia de suplício em que arrancaram minha alma. 

-Muito bem, Madihah, abra teu coração e diga-nos como foi...

-Estávamos alarmados, já sabíamos que eles invadiriam em algum momento. Tínhamos ouvido rumores. Todos da cidade falavam a respeito, dizendo que seria no sétimo dia, após o cerco que haviam feito. E assim foi. Ouvi quando milhares de buzinas foram tocadas, todas juntas e, junto com essas buzinas, um grito, ou vários, vindos não sei de quantas bocas, exatamente. Mas sei que eram muitas. Um barulho ensurdecedor, perturbador, que entrou-me à cabeça,  de meu esposo, de minha linda filha Amber, de apenas três meses, e de Leena, de oito anos. 

-Lembro-me como se fosse hoje, Amber começou a chorar. Imediatamente, peguei-a no colo, pois estava deitada após ser amamentada e chacoalhei-a, para cima e para baixo, tentando fazê-la acalmar, dizendo que tudo ia ficar bem... (...). Leena agarrou-me pelo vestido e disse: mamãe, o que é isso? O que está acontecendo? Que barulho é esse? Disse-lhe: acalme-se, Leena, a mamãe está aqui. El nos protegerá, nada de mal pode nos acontecer. Internamente, minha fé em El se punha à prova, ao experimento real e, em palavras, como mãe, tive que protegê-las, tentando acalmá-las, com um último alento em uma hora tão sombria. 

-Naquele momento, meu esposo estava tentando reforçar a porta de nossa casa com algumas madeiras que havia ali, perto das cabras que criávamos no terreno. Estavam guardadas para uma obra que planejávamos fazer quando a primavera chegasse. Seriam transformadas em uma caixa para colhermos as rosas que nasceriam no campo, na parte externa da cidade e, em outra caixa, um pouco maior, para guardarmos algumas ferramentas de jardinagem, pois faríamos um lindo jardim logo após o fim do inverno.

-Como fomos tolos...[momento de um leve choro, acompanhado de um suspiro brando]. Oh poderoso El, touro de Jericó, por que nos sobreveio tamanho infortúnio? Por que permitiste tamanha desgraça sobre nossas vidas, grande Shaddai? Éramos tão felizes, nunca fizéramos nada de mal para ninguém, não participávamos das abominações de nossos vizinhos promíscuos, adorávamos a ti, de maneira diferente, por que, por que tamanha sombra e solidão, misturada com sangue e ira? 
[...]
-Desculpe-me as lágrimas e meu desespero, novamente, é que, por não conseguir entender, não consigo segurá-las, não mesmo...

-Eu te entendo, Madihah, ao menos, penso saber o que se passa em teu coração... Se desejar, paramos por aqui, sei o quanto são fortes essas lembranças...

-Não, não. Eu me controlarei, ao menos tentarei. Permita-me recomeçar... 

-Tudo bem, pode falar...

-Então, depois de ouvirmos as buzinas e os passos fortes e barulhentos, aquela marcha homogênea e terribilíssima, percebemos que a cidade estava sendo invadida. Estávamos dentro de casa, ela ficava cerca de quatrocentos e cinquenta côvados de distância do muro, que protegia a cidade. Naquele momento, como em qualquer outro, nunca se passou pelas nossas mentes que o muro poderia ser ou ter sido destruído, pois era muito alto, largo, e tinham muitos homens valentes o protegendo, tanto na parte de cima, quanto nas laterais. Porém, o estrondo  do grito e das buzinas foi tão alto, como também o das pedras se chocando, umas com as outras, que suspeitamos que algo de extraordinário havia ocorrido, e, infelizmente, soubemos que ocorreu, da pior maneira possível. 

-Percebemos, ouvindo, mesmo estando dentro de casa, que uma multidão de soldados de Jericó estava sendo morta, porque somente ouvíamos gritos como: morra pagão; viva Ia... acho que Iaeu...

-Não seria Yahveh? Era um nome da divindade dos israelitas.

-Isso, isso mesmo, Yahveh, esse era o nome. Então, ouvíamos assim: viva Yaveh; a cidade é nossa; Yaveh é rei; morra Jericó, e outros xingamentos, os quais vinham acompanhados da fúria tininte das espadas. 

-E estes gritos aumentavam,  sua intensidade se aproximava de nosso lar, e notávamos que muitos dos nossos guerreiros recuavam, pois alguns gritavam, dizendo que a batalha era perdida, e que não havia como defender a cidade. Dentro de casa, meu marido havia terminado de fazer o fortalecimento da porta, colocara assentos, uma mesa, a que fazíamos nossas refeições diárias, algumas pedras também, que usávamos como assento. E veio para perto de mim, colocando-se a minha frente, e de nossas filhas. Eu estava postada ao fundo,  perto de uma parede, ao lado de uma tábua que encimávamos alguns utensílios de barro, agachada, com Leena agarrando-me pela roupa. Amber estava no meu colo, não havia parado de chorar, ainda.  

-As vozes dos israelitas foram aumentando. Em minha mente, não queria acreditar que eles estavam quase lá, perto de minha porta, perto de minha família, perto de tudo o que tínhamos, até então, conquistado, com nosso trabalho, suor, e simplicidade. Não queria crer que eles chegariam a nossa intimidade, que conseguiriam se aproximar tão desequilibradamente diante de minhas filhas pequenas, não queria. 

-Consigo lembrar-me, como se fosse hoje, no momento em que meu esposo olhou para trás, e me disse: Madihah, estou aqui, El nos protegerá, o touro de Jericó está conosco, não se preocupe, eu ouvi...

Continua...

André Francisco

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Sexo oral em Cânticos dos Cânticos (Parte da Série: Não confio, absolutamente, em nenhuma tradução...)

O Beijo, Rodin (1889) 

1. Cânticos dos Cânticos, traduzido com bastante eufemismo, quase desonesto (não poético), para não escandalizar a mente dos de sexualidade velada, que não suportam ouvir ou ler nada relacionado à temática, por não aguentarem seu aguçado descontrole da libido. 

2. Que diga o verso 2.3, que até para Jesus sobrou um alegoria. Nada há nada de relação com essa personagem do Novo Testamento, supracitada, pois, senão, o problema seria ainda maior. 


Qual a macieira entre as árvores do bosque, tal é o meu amado entre os filhos; desejo muito a sua sombra, e debaixo dela me assento; e o seu fruto é doce ao meu paladar. 

Cânticos 2:3





5. Que poesia sacralizada, pena que era cantada antigamente, antes de entrar no cânon judaico, em reuniões boêmias do lado obscuro da judeia. E que quase não entrou. 

6. O amado é uma árvore, que fica de pé, e ela senti prazer em ficar à sua sombra. No entanto, por que o tradutor não optou pelo "... me agacho", em vez de "... me assento? Por que também optou por "fruto", em vez de "semente" ou "sêmen"? É óbvio, porque o texto ficaria "profanado", onde já se viu, sexo oral em pleno Cânticos dos Cânticos, explícito em um livro Bíblico, ali, tão visível, legível, e claro? 

7. É por isso que não confio, absolutamente, em nenhuma tradução da Bíblia Hebraica, não mesmo. Ainda mais quando conheço os pressupostos teológicos dos tradutores. 

André Francisco


segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A Árvore da Vida


1. A árvore da vida, um dos melhores filmes espiritualistas que já assisti esse ano.

2. Para Terrence Malick, a vida se divide em dois caminhos ou escolhas. O caminho da natureza e o caminho da graça. Se a vida é fruto da graça, ela é dádiva de beleza e de bondade, se ela é apenas natureza, ela é cega e sem sentido.


3. A graça é generosa, não pensa em si mesma, pode ser humilhada, ignorada, desprezada, mas, ainda assim, ela dá vida. A natureza só pensa em si mesma, submete todos a ela, é escrava de sua fisiologia, ao fim, vira pedra.

4. A "Espiritualidade" tratada no filme significa a indagação essencial, ou seja, se a vida é fruto de uma força cega ou fruto de uma intenção bela, confrontada cotidianamente com o sofrimento inquestionável da vida. Uma questão de semiótica.

5. Tá aí uma boa contribuição cristã e de agostinho para a humanidade, o conceito de Graça, que pode ser interpretado através do mito existencialmente, com um profundo valor semiótico para a vida humana. Nesse sentido, somos gratos pela manifestação cristã na cultura ocidental.

6. No demais, assista ao filme e retire suas próprias conclusões, com ótimo elenco (Brad Pitt e Sean Peann), roteiro, imagens e direção, não irá perder o seu tempo.

Por Rodrigo de Barros Mascarenhas

sábado, 22 de setembro de 2012

Série: Não confio, absolutamente, em nenhuma tradução Bíblica




1. Iniciar-se-á uma série, aqui no Diálogo Aberto, sobre as incoerências existentes nas traduções Bíblicas, principalmente, em se tratando da Hebraica, ou veterotestamentária. 

2. Com toda propriedade, mas não com toda exaustividade. Ou seja, serão condensadas as observações feitas.

3. Esta série se fundamentará nos textos originais e nas traduções incoerentes, realizadas, quase sempre, por causa de razões e pressupostos teológicos dos tradutores. E estes, em muitos momentos, desonestos consigo mesmos e com seus leitores posteriores. 

4. Leiam e aproveitem os artigos!

André Francisco

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Cânticos dos Cânticos- Notas eróticos-exegéticas

Texto escrito por Carlos Eduardo B. Calvani. 
Publicamos aqui, considerando que iniciaremos uma série de textos relacionados a esse livro.
O formato ficou sem ser justificado, pois não obtivemos sucesso na tentativa de adulteração. Por isso, as barras laterais estão sem alinhamento. 
Vale a pena conferir, na íntegra!


O Beijo, Rodin (1889)



Dentre os livros bíblicos, o Cântico dos Cânticos é um dos mais relegados ao ostracismo. Nas 
poucas vezes em que alguém faz uso do texto, o faz orientado por uma interpretação alegórica de suas palavras. Poucas vezes a leitura é feita de modo natural, e mesmo quando se tenta fazer isso, a interpretação sofre de condicionamentos derivados de um certo consenso moral que se esquiva de algumas passagens, pelo incômodo que causam.

Embora atribuído a Salomão, o cântico não surgiu em sua época. Alguns aramaísmos presentes no texto apontam para a época pós-exílica (?pardes?, por exemplo, palavra iraniana sob forma aramaica - Ct 3.9). Diversos motivos tem levado estudiosos do Antigo Testamento a considerar a atribuição a Salomão como apelo a sua autoridade a fim de facilitar a aceitação do texto. Há também quem, como Carr, sugira que as referências a Salomão devem ser compreendidas como ?ficção literária?. Ao comentar as referências a Salomão, esse autor afirma: O rei, com toda sua riqueza e esplendor, se introduz aqui apenas como símbolo de uma classe social para a qual o desejo é a mesma coisa que a posse?1

Como lugar de origem geralmente se admite a Palestina, e a datação do texto tem sido estabelecida entre os séculos V e IV antes de Cristo2. Discussões diversas sobre a influência dos cultos de fertilidade e das religiões de divindades femininas e sobre a tese de ser um texto produzido por mulheres, podem ser encontradas no importante artigo de Humberto Maiztégui.3

Sem entrar em considerações técnicas a respeito da autoria e procedência do texto, pretendo apenas explorar algumas possibilidades interpretativas, tomando-o como peça literária do gênero ?poema de amor?, nada devendo a célebres textos desse tipo de literatura tais como Romeu e Julieta de Shakespeare, talvez o mais conhecido drama romântico da literatura. A poesia de amor enquanto gênero literário, embora varie muito de acordo com a época e procedência, possui alguns elementos comuns: um deles é o da excitação que os amantes sentem quando estão juntos (Ct 3.4, 7.6-12), as dificuldades que têm que enfrentar para enfrentar a vigilância repressora de autoridades ou curiosos, a necessidade de marcar encontros em lugares reservados, sempre desertos ou escondidos (7.12-13), as descrições do corpo da pessoa amada com detalhes ardentes e eróticos (5.10-16; 6.4-10; 7.2-10), a alegria dos apaixonados ao se encontrarem (4.9), ao ouvir a voz do outro (2.8), ao tocar-se (2.6), beijar-se (1.2), e a memória das carícias preliminares da relação sexual (7.11-14). De fato, o Cântico dos Cânticos exalta o encanto do amor, a irresistibilidade da sedução, do desejo e da paixão. Conforme Sellin e Fohrer, ?os cânticos celebram em termos efusivos e sensuais o amor que atrai o homem e a mulher para os braços um do outro, com força tão poderosa que eles não podem resistir?.4

Porém, nossa formação religiosa puritana e moralista, muitas vezes nos impede de ver o tema do amor e da sexualidade tratados com tamanha liberdade e ausência de preconceitos nas Sagradas Escrituras. Na verdade, nossa religiosidade é freqüentemente orientada para a compreensão de coisas ?santas? e com isso, nos tornamos completamente analfabetos nos assuntos referentes às coisas humanas. Essa visão platônica impregnada na moral cristã pressupõe que tudo o que se refere ao corpo e aos prazeres sexuais está muito distante do ideal de santidade e espiritualidade. Precisamos urgentemente redescobrir o valor da sexualidade num mundo que a desvaloriza de várias maneiras, através da repressão ou de sua banalização, transformando-a em veículo de propaganda e bem de consumo. O texto pode nos ajudar nesse trabalho, pois o Cântico dos Cânticos mostra a vitória do amor e da sexualidade sobre a repressão social e também sobre a sedução da riqueza e do poder.

Apesar da dificuldade de identificar uma continuidade lógica na narrativa, alguns motivos de ordem intuitiva, podem nos fazer encontrar no texto, retalhos de um drama vivido por três personagens literários fictícios e, por isso mesmo, representativos de todos nós: uma jovem mulher, dividida entre o amor de um camponês e os assédios de alguém que tem poder e riqueza. Essa jovem tem a pele escura por ter sido queimada pelo sol enquanto trabalhava no campo (1.5-6). Ela é assediada por dois homens: um representado pelo Rei, tipifica toda uma classe social ? a elite monárquica ou proprietária de terras que explora os trabalhadores do campo; o outro homem é o camponês, pastor do campo (1.7-8, 2.16, 6.2-3) o verdadeiro amor da jovem.

Alguns comentaristas consideram o poema uma descrição do namoro, noivado, casamento, surgimento de problemas e crises no relacionamento conjugal e, finalmente, a reconciliação do casal. Desse modo, transformam o Cântico em apologia do amor monogâmico e da sexualidade desfrutada somente nos limites do casamento. Essa é a perspectiva que orienta todo o pequeno livro de Caio Fábio d`Araújo Filho, por exemplo, que com excessivo moralismo, insiste em ver no texto apenas o relacionamento entre pessoas casadas5. Tal interpretação é condicionada previamente por uma tentativa de evitar que o cântico seja considerado ?imoral?. Contudo, não existe absolutamente nada no texto que sugira que os dois amantes sejam casados. É bem mais provável que a situação seja oposta: ambos procuram desesperadamente um lugar escondido e deserto onde possam entregar-se um ao outro sem serem importunados (7.12-13).

Penso que podemos ler o texto como a história de um grande amor vivido reciprocamente e ameaçado pela insistência sedutora de uma terceira pessoa. Apesar do ?rei? tentar conquistar a jovem com jóias e perfumes (1.11,12), ela tem seu pensamento voltado somente para o amado (1.7) e ao invés dos perfumes, continua a preferir o cheiro do campo que há no corpo de seu amado (1.13,14). Num determinado momento, ela sai ao seu encontro, mas é capturada e agredida violentamente pelos podres poderes repressores da sexualidade, sofrendo violência física e intimidação (5.6-7), mas reafirma publicamente seu amor pelo pastor do campo (5.10-16). As descrições que ambos fazem do corpo do outro são recheadas de bastante força imaginativa. Desse modo, conforme Boehler, ?Cantares recupera a dimensão da vida, da terra, das cores, das formas, do cheiro. O lugar de encontro, de abraços, de amor. Nele o critério da dimensão divina do ser humano é a própria sensualidade dos corpos. E o corpo inteiro é bonito. É todo erótico. Não é profano. Mas é o templo da vida?.6 

A partir dessa visão geral, vamos apreciar alguns breves trechos desse erótico poema:


Cântico 2.3-7

Como a macieira entre as árvores da floresta, 
assim é meu amado entre os outros homens
Eu me sinto feliz nos seus braços
e os seus carinhos são doces para mim

Ele me levou ao salão de festas
e ali nos entregamos ao amor

Tragam passas para eu recuperar as minhas forças
e maçãs para me refrescar
pois estou desmaiando de amor

A sua mão esquerda está debaixo da minha cabeça 
e a direita me abraça

Mulheres de Jerusalém, prometam e jurem
pelas veadas selvagens e pelas gazelas
que vocês não vão perturbar o nosso amor.

Este pequeno trecho relata um encontro amoroso entre o casal ou a memória da personagem. O trecho começa com declarações mútuas de amor e elogios que vêm sendo trocadas desde o capítulo 1:

?Ela:

O meu amado tem cheiro de mirra quando descansa sobre os meus seios; o meu amado é como as flores do campo nas plantações de uvas...?;

Ele: 

Como você é bela, minha querida! Como você é linda! Como os seus olhos brilham de amor?; 

Ela: 

Como você é belo, meu querido ! Como você é encantador. A grama verde será a nossa cama...? (1.13-16).

No trecho em consideração, o jovem afirma só ter olhos para sua amada (?como um lírio entre os espinhos é a minha amada entre as mulheres?). Ela afirma sentir o mesmo e diz que só se sente feliz nos seus braços (deseja assentar-se à sua sombra). Há, porém, um detalhe exegético a considerar aqui: a parte b do versículo 3 tem sofrido muito por preconceitos de tradutores. A tradução da BLH retirou boa parte da poder metafórico do texto (?os seus carinhos são doces para mim?, enquanto a Almeida Revista e Atualizada traz ?o seu fruto é doce ao meu paladar?. Mas sempre que os verbos ali empregados aparecem no Antigo Testamento, sua tradução pode ser tanto ?devorar? como ?lamber? (Jz 7.5-7, 1 Rs 18.38, 21.19, 22.38; Is 49.23). Se esse versículo sugere a prática do sexo oral como carinho e forma de proporcionar prazer, então a tradução da BJ (Bíblia de Jerusalém) e da TEB estão bem mais próximas do sentido do texto: ?com o seu doce fruto na boca?. Este é o grande valor das metáforas poéticas: elas dizem com muita beleza, certas coisas difíceis de expressar. Uma das possibilidades interpretativas do texto é afirmar que a amada deseja ardentemente ter em sua boca para degustar, devorar ou lamber, o ?fruto? da macieira.

O versículo quatro fala de um relacionamento sexual também de forma poética. O pastor conduz sua jovem amante a uma ?adega?( BJ) ou a um ?salão de festas?(BLH). O hebraico traz, literalmente, ?casa de vinhos?, que podemos identificar como um lugar de alegria e prazer, uma vez que o vinho, no Antigo Testamento, geralmente está associado ao prazer e à alegria. Naquele ambiente propício à vivencia do amor, ela diz que o jovem ?pôs sobre mim sua bandeira de amor?, ou como traduziu a BLH: ?ali nos entregamos ao amor?. 

O lugar onde ambos se entregaram realmente se transformou num ambiente de delícias. O versículo 5 apresenta a jovem completamente esgotada, como se estivesse arfando após atingir um intenso e poderoso orgasmo: ?sustentai-me... confortai-me com maças, pois desfaleço de amor? (Almeida); ou ?dai-me forças que estou doente de amor?(BJ), ?tragam-me passas para eu recuperar as minhas forças pois estou desmaiando de amor? (BLH). Na cena do versículo 6, os dois amantes se acariciam, felizes e realizados. Horner observa que esta é uma das posições básicas de um relacionamento sexual7, e Carr acrescenta: ?A posição da mão esquerda debaixo da cabeça dela sugere que os dois estão deitados, e que ele a acaricia e abraça com a mão direita?8

Naturalmente, diante de toda intensidade da expectativa da repetição desse encontro, nada mais natural que ela peça às mulheres de Jerusalém que, por favor, não incomodem nem atrapalhem a intimidade do casal (1.7).

Esse trecho curto, mas revelador, ilustra muito bem a profundidade e beleza do Cântico dos Cânticos. É um texto que conduz dos elogios mútuos ao desejo, à sedução e à entrega dos amantes um ao outro. Aqui a sexualidade é encarada como natural, fonte de prazer para ambos.


Cântico 2.8-13

Ela:

Estou ouvindo a voz do meu amor
Ele vem depressa, descendo as montanhas,
correndo pelos montes
O meu amado é como uma gazela,
é como um cabrito selvagem
O meu querido está ali, do lado de fora da nossa casa
ele está olhando para dentro, pelas janelas
Está me espiando pelas grades
o meu amor está falando comigo

Ele:

Venha então, minha querida;
Venha comigo, meu amor
O inverno já foi, a chuva passou
e as flores aparecem nos campos
É tempo de cantar;
Ouve-se no campo o canto das rolinhas
os figos estão começando a amadurecer
e já se pode sentir o perfume das parreiras em flor
Venha então, meu amor
Venha comigo, minha querida
Você está escondida como uma pomba
na fenda de uma rocha
Mostre-me o seu rosto, 
deixe-me ouvir a sua voz
pois a sua voz é suave
e o seu rosto é lindo.

Nesse que é um dos mais belos momentos do livro, há um convite a desfrutar do amor ao ar livre, recuperando a dimensão da natureza, que se torna cúmplice do romance. Naturalmente, o texto sugere influencias dos cultos de fertilidade. Em todo caso, a jovem ouve a voz sedutora e convidativa de seu amante chamando-a para um passeio no campo. Fazer amor ao ar livre, em contato com a natureza, é uma das fantasias sexuais mais comuns para muitos casais. Podemos ver aqui todo um ?jogo erótico? ou ?fantasia? em andamento: enquanto a jovem está deitada (v.10), seu amante a observa sorrateiramente por uma fresta ou ?buraco na parede? (seria a tradução mais literal, conforme o Dicionário Hebraico-Português, Editora Sinodal-Vozes, pg. 68). Depois de voyeristicamente contemplá-la (e com o consentimento dela, que sabe estar sendo observada), ele sussurra seu convite para um passeio no campo. Os versículos 11-13 são de inigualável riqueza poética. Descrevem a primavera, época da fertilidade, em que a vida se renova na terra e nos campos.

Em nossos dias, infelizmente, perdemos a dimensão do contato com a natureza. Vivemos num mundo caracterizado pelos edifícios de concreto acinzentado das grandes cidades. Não temos mais olhos para as flores nem ouvidos para desfrutar o som dos pássaros, e nossos narizes só identificam o cheiro da poluição. Essa realidade das grandes cidades acaba por nos fazer restringir o encontro dos corpos a quartos escuros durante a noite ou a motéis afastados. Mas no texto bíblico, o recinto do amor é o próprio mundo, a própria natureza, o ar livre, o contato com a grama e o verde, com o sol e a brisa. É o próprio mundo que se oferece como o melhor afrodisíaco para o encontro dos amantes. Esse trecho recupera a dimensão erótica da terra. Toda a natureza participa da sedução.

O mesmo tema da sedução reaparece em 5.2ss:


Cântico 5.2-8

Ela:

Eu dormia, mas o meu coração estava acordado
Então ouvi meu amado bater na porta

Ele:

Deixe-me entrar, minha querida, meu amor
Minha pombinha sem defeito
A minha cabeça está molhada de sereno
e o meu cabelo está úmido de orvalho

Ela:

Eu já tirei a roupa;
será que preciso me vestir de novo?
Já lavei os pés;
por que suja-los outra vez?
O meu amado passou a mão pela abertura da porta
E o meu coração estremeceu
Eu já estava pronta para deixar o meu querido entrar
as minhas mãos estavam cobertas de mirra
e os meus dedos também
e eu segurava o trinco da porta
então abri a porta para o meu amor
mas ele já havia ido embora

Como eu queria ouvir a sua voz!
procurei-o, porém não o pude achar
chamei-o, mas ele não respondeu

Os guardas que patrulhavam a cidade me encontraram
eles me bateram e me machucaram
e os guardas das muralhas da cidade me arrancaram a capa

Prometam, mulheres de Jerusalém:
se vocês encontrarem o meu amado,
digam que estou morrendo de amor

Coro das mulheres:

Você, a mais bela das mulheres, responda:
Será que o seu amado é melhor do que os outros?
O que é que ele tem de tão maravilhoso ?

Ela:

Entre dez mil homens, 
O meu amado é o mais bonito e o mais forte
O seu belo rosto é corado;
Os seus cabelos são compridos e ondulados 
e pretos como as penas de um corvo
Os seus olhos são como os olhos das pombas
na beira de um riacho;
Pombas brancas como leite,
banhando-se ao lado da correnteza
O seu rosto é bonito como um jardim de plantas perfumosas
Os seus lábios são como lírios
que deixam cair pingos de mirra preciosa
As suas mãos são bem feitas
e enfeitadas com anéis de ouro e pedras preciosas
A sua cintura é como marfim polido, coberto de safiras
As suas pernas são colunas de mármore
assentadas sobre bases de ouro puro
O meu amado parece um dos montes do Líbano
e é elegante como os cedros
É doce beijar a sua boca,
e tudo nele me agrada
Assim é o meu amado, assim é o meu noivo
Mulheres de Jerusalém


A temática desse trecho é semelhante à do texto anterior. A cena, dessa vez, decorre durante a noite, enquanto a jovem dorme. Seu a amante a procura sorrateiramente e a convida a segui-lo. Ela, porém, faz-se de difícil e reclama já estar recolhida e pronta para dormir. Porém, não resiste, levanta-se, perfuma-se para o encontro e providencia óleo aromático. Entretanto, ao abrir a porta, não encontra o amante que já havia se retirado. Ela resolve procura-lo durante a noite, mas alguns guardas a encontram. Os comentaristas da Bíblia de Jerusalém supõem que a confundem com uma prostituta, por isso a espancam e ainda lhe tomam o manto. A jovem, porém, apesar da forte repressão e intimidação das autoridades, resiste em seu desejo de encontrar o amado.

É comum em muitas poesias e dramas amorosos, a necessidade de resistir contra a repressão de autoridades (pais, professores, religiosos, militares, etc) que tudo fazem para impedir a aproximação dos namorados. O mesmo ocorre no texto bíblico, inclusive com o uso da violência física. Para o desejo, entretanto, não existem barreiras, por isso a jovem não desiste de encontrar seu amado. Sua insistência desperta até mesmo o espanto e a admiração das demais mulheres (v.9) que interrogam a jovem. Segue-se então, uma descrição do amante.

Mas não apenas a mulher descreve o homem. Há um momento no Cântico, em que ele também se desmancha em comentários elogiosos a respeito do corpo de sua amada, com detalhes que exaltam a beleza e a sensualidade daquela a quem ele ama:


Cântico 7.2ss:

Ele:

Ó filha de um príncipe,
Como são bonitos os seus pés calçados de sandálias
As curvas dos seus quadris são como jóias,
são trabalho de um artista
O seu umbigo é uma taça onde não falta vinho
A sua cintura é como um feixe de trigo cercado de lírios
Os seus seios são como duas gazelas
O seu pescoço é como uma torre de marfim
Os seus olhos são como os poços 
que ficam ao lado dos portões da grande cidade de Hesbom
O seu nariz é tão belo como a torre do Líbano, de onde se avista Damasco
A sua cabeça está sempre erguida como o monte Carmelo
Os seus cabelos são como a púrpura;
até um rei ficaria preso nas suas tranças
Como você é linda, minha querida !
Como você me dá prazer !
Como é agradável a sua presença !
Você é tão graciosa como uma palmeira
Os seus seios são como cachos de tâmaras
Vou subir na palmeira e colher os seus frutos
Os seus seios são para mim como cachos de uvas
A sua boca tem o perfume das maças
E os seus beijos são como vinho delicioso

Ela:

Então que o meu querido beba suavemente desse vinho
que escorre entre os seus lábios e dentes
Eu sou do meu amado, e ele me quer
Venha, querido, vamos para o campo;
Vamos passar a noite nas plantações de uvas
Vamos levantar cedo e olhar as parreiras
para ver se elas já começaram a brotar
Veremos se as flores estão se abrindo
E se as romãzeiras já estão em flor
Ali eu lhe darei o meu amor

Mais uma vez parece evidenciar-se a influência dos ritos de fertilidade. Porém, o que nos interessa, no momento, é a dimensão da sexualidade humana.

Algo curioso chama-nos a atenção na descrição que o amante faz da amada: a despeito de sua linguagem clara, todas as traduções em português suavizam certos substantivos. Observemos, por exemplo, que ao descrever o corpo de sua amada, o jovem segue uma lógica muito clara: ele inicia de baixo para cima, dos pés à cabeça: começando dos pés, fala dos quadris, cintura, seios, pescoço, cabeça e cabelos. O movimento é sempre ascendente. Parece haver, porém, um ?umbigo? fora do lugar nesse corpo. A palavra hebraica é ?sarr?, objeto de muitas discussões entre tradutores. De fato, pode ser traduzido como ?umbigo? algumas vezes ou ?o centro do corpo?. Delitzsch optava por ?centro do corpo?9. Carr, porém, observa que ?a segunda cláusula refere-se ao ventre que é, mais corretamente, o ?centro?. O fato de essa unidade mais longa (vers. 1-9) não usar paralelismos com sinônimos, sugere que tampouco aqui se intencionou usar paralelismos. É mais provável, pois, que a palavra hebraica deveria ser traduzida por ?vulva?10, vagina ou algum termo mais apropriado. Os tradutores da Bíblia Pastoral deram-se conta desse fato e, mesmo optando pelo ?umbigo?, colocaram reticências após a expressão, sugerindo algo ainda por ser dito (?seu umbigo... essa taça redonda onde o vinho nunca falta?). De fato, tudo no texto, sugere que o jovem está se referindo aos órgãos genitais da amada. Naturalmente, é muito difícil encontrar substantivos precisos para descrever certas partes do corpo sem que a linguagem possa ser considerada vulgar pelos leitores. Por isso talvez, ?umbigo? possa ser aceitável, desde que compreendamos que o ?umbigo? em questão, ?é mais embaixo?. 

O jovem elogia também os seios de sua amada, afirmando desejar suga-los e acariciá-los (v. 9). E após tantos elogios, ela afirma a reciprocidade do seu amor, tomando a iniciativa e convidando-o a um encontro amoroso à noite, nos campos. A educação puritana condicionou muitas mulheres a jamais manifestarem seus desejos eróticos, tampouco tomar iniciativas sexuais. Porém, aqui no texto bíblico a mulher se afirma como sujeito ativo na iniciativa sexual, sem medo de viver plenamente a sexualidade. e não como elemento passivo.

É nesse contexto de jogos de amor, ?cantadas?, elogios e provocações eróticas que se desenvolve o Cântico dos Cânticos, exaltando o corpo e a sexualidade, sem vinculá-la necessariamente à procriação e ao casamento. De fato, biblicamente falando, a criação primária de Deus é o corpo e a sexualidade; a instituição do casamento, tal como existe hoje, foi uma contingência histórica e cultural. Será por esse motivo que o Cântico dos Cânticos se apresente como um texto tão perturbador e tão ?esquecido?, até mesmo nas cerimônias matrimoniais ?


O amor é mais forte do que a morte

No último capítulo do livro, encontramos o conhecido versículo: ?nenhuma quantidade de água pode apagar o amor, e nenhum rio pode afogá-lo? (Ct 8.7a ? BLH), porque ?o amor é mais forte que a morte? (8.6).

Certamente o Cântico dos Cânticos precisa ser redescoberto e mais lido em nossas comunidades, sem as reservas e preconceitos hermenêuticos que geralmente acompanham suas citações. Talvez isso cause incômodo aos ?guardas da cidade?, eternos vigilantes da moral e do que os outros fazem com seus próprios corpos. Mas ainda que a repressão continue, vale a pena seguir o fogo do amor e experimentar na pele todo o prazer que o corpo pode nos proporcionar e que é sugerido com palavras tão intensas pelos personagens do texto bíblico. 

Sem dúvida alguma, a herança platônica no cristianismo, associada ao terror pela sexualidade, às frustrações sexuais de muitos teólogos patrísticos e à rigorosa e infeliz moral puritana, acarretaram muitos problemas de ordem sexual para nós, hoje. Somos tão melindrosos nesse assunto que certamente muitos de vocês podem ter se escandalizado ao perceber que a Bíblia trata desse assunto com bastante naturalidade. Isso é sinal de que há algo doentio em nós e que ainda nos oprime em relação à sexualidade. Nos últimos tempos fala-se muito em libertação. Alguns grupos enfatizam a libertação social, política e econômica, mas fazem vistas grossas ou passam de largo pela também necessária libertação sexual. Outros grupos, que nem sequer cogitam falar em ?libertação sexual? enfatizam a ?libertação espiritual? e não percebem que seu discurso muitas vezes provoca o grave efeito colateral de produzir ainda maior repressão sexual. Esse discursos são como ?banhos de água fria? receitados para sufocar a libido e sublimar os desejos. Mas o próprio texto bíblico afirma, ironicamente, que ?nenhuma quantidade de água pode apagar o amor, e nenhum rio pode afoga-lo?. Tudo isso é sinal de morte. São os poderes da morte querendo amarrar e reprimir ainda mais o corpo, dádiva do Criador. Mas a libido, o desejo e o amor são poderes vitais. É a vida insistindo em atingir suas potencialidades. Realmente, as muitas águas não podem abafar ou sufocar o amor e nenhum rio é capaz de detê-lo.

Porque o amor é mais forte do que a morte!

sábado, 15 de setembro de 2012

A leitura alegórica da Bíblia Hebraica é um satã poderoso



1. A leitura alegórica da Bíblia Hebraica é um satã poderoso.

2. Pessoas leem o texto Hebraico e, normalmente, sem nenhum tipo de desconfiança e questionamento, pensam que a leitura que fazem é correta, exegeticamente própria, partindo de duas pressuposições: 1) da doutrina que possuem, recebida da tradição religiosa e catequética, normalmente de/em uma comunidade; 2) Da experiência existencial, aquela voz intra-mental que lhes conduz, norteando a interpretação do texto, valiando-a ou não, aplicando-a ou não (a "voz de deus", inconscientemente a doutrina recebida anteriormente).

3. As duas pressuposições são problemáticas, considerando que são apenas subjetivas, acríticas, sem fundamentação, ao menos, textual, que seria, no caso, o ponto culminante para qualquer validação. 

4. Primeiro, a doutrina passada, de geração em geração, pelas comunidades evangélicas, em sua esmagadora maioria, é incoerente e infundamentada. Por destacados seguintes motivos: quando foi originada, foi de maneira não pensada, não reflexiva, não exegética. Ou seja, não  houve análise que tentasse provar se, de fato, estava coerentemente relacionada aos textos que conscientemente se usavam. Uma rede de doutrina que "parece" ter base Bíblica, mas que se fosse lançada à mesa, para ser lida, e provada, não passaria no exame, com certeza.

5. Segundo, a experiência existencial é subjetiva, conforme o termo já indica, própria, de cada indivíduo, pessoal, ou seja, não pode ser um fator de validação da leitura de um texto,- validação no sentido de se atribuir interpretação correta àquilo, e aplicá-la no contexto real do ente leitor. Não se pode dizer que um texto, factualmente, possui aquela interpretação, apenas porque, quando lido, produz um sentimento de paz e tranquilidade, naquele que o lê. Pois existem pessoas que não sentem o mesmo, quer dizer, essa voz "intra-mental", que teoricamente é de deus, não serve para todos.

6. Por exemplo, a doutrina do dispensacionalismo de John Nelson Darby. Em uma reunião de oração e adoração, onde o misticismo da anti-catolicidade e da "contra-frieza protestante" era notório, uma mulher começa, possessa pelo espírito santo, a proferir palavras e interpretações escatológicas, da Bíblia Hebraica e cristã, e Darby, estando a par da situação, utilizou o material vomitado e lançou as bases de um sistema que, além de programado, foi desonestamente "fundamentado" na leitura que fez depois da reunião. 

7. Hoje em dia, dizer para 90% da população evangélica brasileira que sua doutrina escatológica do "fantástico arrebatamento" não passa de uma mera criação de Darby e de Scofield, e que foi mais tarde expandida pela divulgação do material dos "Deixados para trás", é deixar muita gente de cabelo em pé. Mas proponho comunicar, sabendo, de antemão, que os crentes permanecerão acreditando que o Cristo, um dia, virá para buscá-los, a fim de morarem eternamente com ele extraterrestremente. 

8. É por isso que a leitura alegórica da Bíblia Hebraica é um satã poderoso, porque mesmo existindo uma reinterpretação exegética, e havendo escancaramento na demonstração de que essas doutrinas não passam de conto de fadas, sem sequer base teórico-teológica, infundadas exegeticamente, não há mudança alguma, nos receptores do conhecimento. O que continua prevalecendo são os dois pressupostos supracitados, nas mentes e corações de milhares de indivíduos alienados dos métodos hermenêuticos honestos. 

9. Isso, em se tratando, somente, da questão do arrebatamento, como exemplifiquei condensadamente. Queria ver se fossem salientadas as que se referem à demonização de Satã, criação e pecado, Gênesis e a influência mitológica, e outras mais. Penso que não sobraria alegoria que seria capaz de segurar essas doutrinas existindo, não mesmo. 

10. Finalizando, considero esse tipo de leitura um satã, um obstaculizador, um adversário, que se opõe, sempre, entre o leitor e o texto, fazendo-o raciocinar aquilo que lê, de acordo com uma pressuposição irreal e desonesta. É um peador, que cativa a mente dos indivíduos, e os deixa sem reação própria, sem força de se livrarem e mudarem. Igual ao caso de Balaão, em que o anjo de Yaveh se colocou, conforme o texto hebraico, como um shatan no seu caminho.

André Francisco

Do Mito de Adão e Eva


1. Hoje foi um dos dias em que me encontrei com um daqueles crentes fundamentalistas arrogantes, que fazem teologia como uma catequese ou E.B.D de luxo, que não sabem dialogar e que são intelectualmente desonestos. Também pudera, se fosse um pouco cônscio e honesto em suas pesquisa e estudos e não mais um lobotomizado - apologista do sistema catéquico e da tradição religiosa, dormiria tranquilo por não ter que ficar tentando lutar contra tudo e todos (fatos Históricos, religiões comparadas, teólogos críticos, estudiosos de arqueologia, ciência moderna e etc.) para sustentar a narração de gênesis, e assim dar validade a sua fé como verdade absoluta.

2. Tenho minhas dúvidas se Martinho Lutero ou Tomás de Aquino nascessem em pleno século 21, sustentariam a narrativa de gênesis, mesmo com todas as informações que disponibilizamos em nossos dias, ao contrário dos tempos remotos da idade média...

3. Na verdade, sustentar gênesis é tão importante como sustentar a divindade de Cristo para os fundamentalistas, pois para que houvesse uma divindade salvadora, deveria existir uma divindade criadora, que possui autonomia sobre a criação (não se "salva", no sentido de re-ligar ou recuperar, aquilo que não te pertence ou pertenceu de alguma forma). 

4. Sustentar gênesis aprova a superioridade judaico-cristã acima de todas as outras religiões, pois se a narrativa bíblica é de fato verdadeira, todas as outras narrações (Persa, babilônica, grega, suméria, egípcia, islâmica, acadiana, nórdica) são mitos, pois não poderia haver várias criações, formas de criação ou deuses criadores para um só mundo e homem (seguindo o pensamento monoteísta).

Narrativa de criação de mundo judaica, uma de várias existentes.
5. As pessoas que insistem em apoiar a criação de todas as coisas pelo mito adâmico, ou não tem acesso à informação (por passarem toda a sua vida recebendo o ensino religioso nas igrejas ou a tradição religiosa vigente no Brasil), ou são desonestas no seu pensamento, (as evidências estão aí, os dinossauros, arqueologia , fósseis de homens pré-históricos, de outras eras....) pois essa narração não comporta todos os fatos, não explica racionalmente as provas científicas e não abre espaço para elas (teríamos que jogar todas as evidências no lixo ou na fogueira da inquisição).

6. Agora, entendo Darwin e sua angústia, como católico, tendo que dizer para o padre que Deus não criou o mundo em 7 dias...

7. Segundo Joseph Campbell, a "metade da população mundial acha que as metáforas das suas tradições religiosas são fatos. A outra metade afirma que não são fatos de forma alguma. O resultado é que temos indivíduos que se consideram fiéis porque aceitam as metáforas como fatos, e outros que se julgam ateus porque acham que as metáforas religiosas são mentiras".

6. Sugiro aos cristãos, que entrarem em crise por serem honestos e racionais, e não acreditarem na história da carochinha, que leiam Joseph Campbell, em "O Herói de Mil Faces" e aprendam como reinterpretar a simbologia do mito (agora não mais como fato), existencialmente, para significado em suas vidas - efeito do kerígma - , para não jogarem essa bela história na lata do lixo ou discutirem com os seus pastores e líderes na E.B.D ou na missa de domingo, com certeza, correrão o risco de serem chamados hereges...

7. Ah.. e lembrem -se que a narrativa bíblica de gênesis são escritos surgidos na época do Rei Salomão acerca dos anos (971-931 A.C.). Escritos nos períodos de (800 a 700 A.C.) e escritos surgidos do exílio Babilônico e do pós-exílio, cerca dos anos (586-400 A.C.) - uma verdadeira "colcha de retalhos" e que os estudos modernos dizem que os humanos anatomicamente modernos (homo Sapiens) originaram-se na África há cerca de 200 mil anos, atingindo o comportamento moderno há cerca de 50 mil anos e antes deles, Lucy (Australopithecus afarensis), uma mocinha de 20 anos com 1,20 de altura, provavelmente morta por um crocodilo, e que passou cerca de 3,2 milhões de anos sob as areias da Etiópia, sendo descoberta em 1974, sendo assim, um dos primeiros fósseis de fato "hominídeos" a serem encontrados (novas descobertas encontraram fósseis hominídeos mais antigos na China).

8. Logo, se as narrativas textuais escritas de origem da vida na visão judaica remontam a tempos passados, com até no máximo 7.000 anos a.C, fazendo-se, segundo a linhagem adâmica, as contas, Adão e Eva teriam 5.780 e poucos anos, conforme o calendário judaico, que não é o mesmo do calendário gregoriano (dividido em a.C e d.C), que tem seu início de contagem de anos, a partir da criação de Yaveh do primeiro homem, Adão.

8. Como diria o ditado, contra fatos não existem argumentos...

9. Ou mitos.


Por Rodrigo de Barros Mascarenhas

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Sono meu, como ousaste? Foste mais forte do que eu!

Sono meu,  como ousaste? Foste mais forte do que eu!
Tu chegaste, arrebatador, subordinante;
cativaste minha mente, meu corpo, e os fizeste reféns.
Quem me dera, se almejaste acordar comigo,
se respeitasses minha decisão, 
deixasses-me ser ego, pois, cá, não te queria.
No momento, não te podia sofrer.  

Mas não, tomaste teu espaço, inundaste-me de desfalência,
removeste todas as minhas forças, a ponto de não poder reagir.
Forçaste, a mim, a entrega do enfraquecimento, 
ao te perceber, como o vento que não posso pear,
nem mesmo, por vontade própria, desanelar sua presença.

Ah, mas do oculto espírito, como desejava presenciar-te, 
ver-te, sempre em mim, entregar-me a sua doce estada.
Sentir-te e imaginar-me vivendo-te, satisfeito ao poder ter-te.
Fiques aqui, não se vá, mesmo sabendo do seu egoísmo, 
mesmo notando que tu não dialogaste,
foi assim que, veladamente, eu digeri palavras mentadas,
ao perceber sua entrada nunca dantes falada. 

Quando tu desceste sobre mim, 
tentaste-me com a belezura dos sonhos que contigo vêm.
Abristes a porta da minha alma, e fizeste par com ela.
Colaste-a contigo, descaracterizaste-a propositadamente. 

Sono maligno, tão divino que não te vejo noção terrena.
Não te percebi sublevando-me aos elísios, 
no caminho do rio contracorrente navegado,
no teu barco sono, no teu barco. 
De uma coisa bem sabia, 
de lá, ao chegar, não quereria regressar. 

E quando o mais maravilhoso havia,
onde só eu e tu estávamos, 
cotejando e reciprocando sensações,
 oh diabos, atinei, ao ouvir sons na mente consciente,
 que a realidade assistia a mim, notava-me,
e dizia-me: quando voltará? 
Tarefas lhe esperam, cousas e mais cousas...

Abruptamente, caí de volta, pulei,
saltei abandonado, solitário, 
dos elísios para os sombrios acostamentos da vida sem ti, 
olhei ao lado, desesperançado, ofuscado, a tua procura imediata
sendo que, tu não estavas mais comigo, não mais.

Sono injusto, bandido, roubaste tudo de mim, 
e me deixaste assim? Fizeste o que sabia que farias, 
deixar-me-ias gozar por um momento teu calor,
experimentar sua leveza e simpatia,
e... depois, abandonar-me-ias.
Como um deus, deixaste seu mais fraco de lado,
sem esboço de fôlego sequer, 
além do bocejo que, agora, havia se tornado um fim. 

Braços erguidos, não mais amolecidos,
novamente cá, agora, com lembranças de ti, 
 vontade de ti de novo. 
Fiquei só, foste mais forte do que eu.
Na chegada, quanto partida. 



André Francisco





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