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DIÁLOGO ABERTO, O ORIGINAL, é um espaço interativo cuja finalidade é a discussão. A partir de abordagens relacionadas a muitos temas diversos, dos mais complexos aos mais práticos, entre teologia, filosofia, política, economia, direito, dia a dia, entretenimento, etc; propõe um novo modo de análise e argumentação sobre inúmeras convenções atuais, e isso, em uma esfera religiosa, humana, geral. Fazendo uso de linguagem acessível, visa à promoção e à saliência de debates e exposições provocadoras, a afim de gerar ou despertar, em o leitor, um espírito crítico e questionador.

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segunda-feira, 25 de março de 2013

Do arrebatamento que não acontecerá



1. Não, não vai acontecer, pelo menos não do modo de Darby. 

2. A palavra grega αρπαγησομεθα (principalmente a raiz, harpageso), traduzida por "arrebatamento" em várias Bíblias, ou rapto, tem de ser entendida dentro de seu contexto de uso na época, ou seja, da maneira descrita a seguir.

3. No momento em que havia guerra nos tempos do Império Romano, onde a língua grega e latina dominavam vários lugares, o rei, comandante do exército, general, ou outro líder, ia para os campos de batalha lutar, saindo de sua cidade natal pela porta da frente em direção à batalha sangrenta. No momento em que se saia vitorioso, os moradores de sua cidade ficavam sabendo por meio do mensageiro e moviam-se em direção ao lado de fora dos portões citadinos para aguardar a chegada do rei conquistador. Quando o rei chegava da batalha, todos se reuniam ali e caminhavam novamente para o ambiente urbano, cantando, dançando, comemorando aquele grande triunfo, junto com os guerreiros vencedores. Isso era harpageso, ou harpazo, em seu contexto semântico.

4. Ou seja, as pessoas iam para fora da cidade, recebiam seu rei e voltavam para comemorar.

5. Darby divulgou a ideia de que harpazo significa o sair da cidade, ir em direção ao rei e voltar para o campo de batalha ou para outro lugar longe dali. Lembra-se da interpretação dispensacionalista do "arrebatamento"? 

Então! Nesse esquema escatológico, a trombeta tocará, Jesus aparecerá no céu, e harpazo, os crentes sairão instantaneamente voando até os céus, se encontrarão com seu Deus e retornarão para o céu, não para a terra, festejar e comemorar durante sete anos.
Mas o termo significa ir, encontrar-se e se voltar para a cidade, no caso, terra.

6. Desanimador, não?

7. Mas não briguem comigo, briguem com Darby e seu esquema escatológico.

André Francisco

quinta-feira, 21 de março de 2013

A arte e o artista*

*Titulo criado por Diálogo Aberto com mero intuito figurativo para titular um texto que inicialmente foi escrito como prefácio da magna obra de Oscar Wilde, O Retrato de Dorian Gray.




O artista é o criador das coisas belas.

Revelar a arte e ocultar o artista é o objetivo da arte.
O crítico é aquele que sabe traduzir em outra forma ou em novo material sua impressão das coisas belas.
A mais alta, assim como a mais baixa forma de crítica, é uma espécia em autobiografia.
Aqueles que descobrem feios significados em coisas belas são corruptos, sem serem encantadores. É um defeito.
Aqueles que descobrem belos significados em coisas belas são cultos. Para estes há esperança.
São os eleitos, para quem as coisas belas significam apenas Beleza.
Não livros morais, nem imorais. Os livros são bem ou mal escritos. Apenas isto.
A aversão do século XIX pelo realismo é a cólera de Caliban ao ver seu rosto num espelho.
A aversão do século XIX pelo realismo é a cólera de Caliban por não ver seu rosto num espelho.
A vida moral de um homem forma parte do tema do artista, mas a moralidade da arte consiste no uso perfeito de um meio imperfeito. Nenhum artista deseja provar coisa alguma. Até as coisas verdadeiras podem ser provadas.
Nenhum artista tem simpatias éticas. A simpatia ética, no artista, é imperdoável maneirismo de estilo.
O artista nunca é mórbido. O artista pode exprimir tudo.
Pensamento e linguagem são, para o artista, instrumentos de uma arte.
Do ponto de vista da forma, o protótipo de todas as artes é a arte do músico. Do ponto de vista do sentimento, o protótipo é a profissão do ator.
Toda arte é, ao mesmo tempo, superfície e símbolo.
Aqueles que vão abaixo da superfície fazem-no por sua conta e risco.
Aqueles que leem o símbolo fazem-no por sua conta e risco.
É o espectador, e não a vida, o que a arte reflete realmente. A diversidade de opiniões sobre uma obra de arte indica que é nova, complexa e vital.
Quando os críticos divergem, o artista está de acordo consigo mesmo.
Pode se perdoar a um homem a realização de uma coisa útil, contanto que ele não a admire. A única desculpa para se fazer uma coisa inútil é admirá-la imensamente. Toda arte é absolutamente inútil.


Oscar Wilde

quarta-feira, 20 de março de 2013

O uso do jargão "a Bíblia diz", a menstruação e a homossexualidade




1. É ridícula a maneira como certas pessoas usam a Bíblia para defender seus pressupostos. 

2. Por exemplo, a imparcialidade nunca é enfatizada por tais. A utilização se consiste apenas na defesa de argumentos infundados em qualquer área do conhecimento que não seja a da subjetivação metafísica da fé. Ou seja, a "Bíblia diz" quando o saber e a inteligência comum, crítica, racional, dialogável, expressiva, falta para o indivíduo.

3. Deixe-me dar um exemplo da falta de coesão hermenêutica-interpretativa dessa ala dos "da Bíblia diz" no caso da intolerância à homossexualidade.

4. Primeiramente, a Bíblia é utilizada para os mais diversos fins possíveis. Se uma pessoa quiser defender homicídios, genocídios, infanticídios, intolerância religiosa e outras mazelas da história humana, encontrará lá respaldo. A questão é que os textos são sempre aplicados separadamente, de acordo com a vontade do retórico.

5. Contra a homossexualidade, já vi inúmeras pessoas usando a Lei do Pentateuco, de Moisés, dos cinco primeiros livros da escritura sagrada hebraica. Tudo bem, pode usar, aliás, desde a Reforma Protestante no século 16, a Bíblia tem sido manejada irresponsavelmente, sob a suposta afirmação de que a pessoa responsável pela correta interpretação é o "espírito santo", assim, tudo o que é interpretado como verdade passa a ser verdade, tornando-se livre de crítica e julgamento, pois é do divino.

6. Mas voltando ao assunto da aplicação da Lei contra homossexualidade. Os mesmos que a aplicam para tais fins, sequer dão conta de que espalhados pelos mesmos livros que usam e abusam defensivamente estão milhares de leis grotescas, novamente intolerantes, anti-democráticas, anti-humanas, abusivas, ditatoriais, anti-éticas, etc. 

7. Citemos alguns exemplos pentatêuticos. 

8. Em Levítico 15, 19-30, um dos livros daquele bloco, existe uma das maiores aberrações da demência sacerdotal com relação às mulheres e seu período fértil. Nas culturas antigas, não diferente de Israel, esse ciclo da vida das mulheres era considerado impuro, maldito e era amplamente difundida a ideia de que essa "maldição" não poderia ser repartida com as outras pessoas, com homens, principalmente. Era passível de apedrejamento se fosse pega contrariando essas leis de peação. 

9. Esse texto reflete um aspecto cultural machista, patriarcal, onde as mulheres não tinham direito a quase nada e eram colocadas abaixo até mesmo de animais em escalas de valor. Logicamente, os que abusam da interpretação Bíblica especulam teologicamente diante de tais textos afirmando que eles não valem mais para nossos dias, por isso, estão lá, porém não devem ser considerados aplicáveis. 

10. No caso da homossexualidade, o tratamento do Pentateuco é criminoso. Em Levítico, novamente, casais homossexuais deveriam ser apedrejados, extirpados do meio do povo. Esse era o conceito legal para a época, aprovado, mitologicamente, pela voz de "Deus" na redação dos textos. 

11. Afirmar que "a Bíblia diz", honestamente, deveria ser reavaliado. Pois certas coisas são inimagináveis em nossa cultura, que, por sinal, é evoluída em conceitos ético-legais se comparada a do antigo Israel. 

12. Sempre digo que "a Bíblia não diz" nada, quem diz são seus autores, nos 74 livros diversos que foram ajuntados em um único exemplar, constituindo uma teia de tradições religiosas, históricas mitológicas, legislação antiga e muitos outros aspectos de conteúdo. Tratá-la dessa forma complexa pode evitar muita baboseira falada por aí, principalmente nas redes sociais. 

André Francisco

terça-feira, 19 de março de 2013

Livro arrogante!




- Ei, você aí, venha cá - diz o livro. 

- Um livro falante? Que isso! - pensa o não leitor. 

- Venha aqui, rápido. Digo-te uma coisa, encare-me ou fique sem conhecimento - argumenta arrogante e sabiamente aquele que tem mais de mil páginas. 

Vira-se pensativo o não leitor, meio que vou ou não vou.

- Livro arrogante. Acha que preciso dele...!
[...]

Depois de algum tempo.

E não é que era verdade? - treplica o leitor de mente oca igual a uma cuíca furada.


André Francisco

quinta-feira, 14 de março de 2013

Exatamente isso: o papa é argentino.




1. Exatamente isso: o papa é argentino, Jorge Mario Bergoglio, 76, agora Francisco! 

2. Suponhamos algumas possibilidades plausíveis para tal ascensão. 

3. Pode ser uma jogada política da igreja para focalizar mais "responsabilidade" na manutenção dos fieis sul-americanos, haja vista as grandes perdas que recentemente têm acontecido, com o crescimento do protestantismo-evangélico e do secularismo moderno. 

4. Pode ser uma tentativa de reforço à ala conservadora da igreja, diante de um mundo que se posiciona secularmente com relação às discussões notórias e midiáticas sobre aborto, eutanásia, homossexualidade, pedofilia, usos de células-tronco, ecumenismo, etc. 

5. Pode ser para limpar a imagem diante da esquerda midiática da Argentina, em relação aos casos da ditadura e a carta branca dada pelo antes cardeal Bergoglio a ex-ditadores, como Jorge Rafael. Logo agora que a justiça aprovou a condenação de vários ex-participantes do regime militar daquele país.

6. Pode ser por causa de seu forte caráter e expressividade, conhecido por suportar problemas e opinar soluções imediatas para tais, tendo em vista a situação atual da Igreja de Roma diante dos círculos sociais e das novas concepções de mundo, tanto na Europa, quando na América em geral. 

7. Pode ser uma escolha divina, direcionada pelo sagrado Espírito Santo, para, em um futuro ainda desconhecido dos mortais, beneficiar de todas as formas a humanidade, a igreja, os pobres, as viúvas, a ordem mundial, entre outros. Sob a benção e proteção da Virgem e de seu amado Filho. 

8. Pode ser, pode ser, pode ser... 

9. Acredito que várias suposições surgirão ao longo dos dias subsequentes. Como será o pontificado de Francisco? Ainda ninguém sabe. Basta-nos aguardar, e notar com os verões que se passarão. 

André Francisco

sexta-feira, 8 de março de 2013

Três histórias diferentes em um mesmo texto. Dilúvio, Gn 6





1. Depois escrevo mais sobre esse tema.

2 Agora, apenas uma simples elucidação, a partir de uma tradução Bíblica fraca, sobre as três principais fontes e tradições da narração do dilúvio da Bíblia Hebraica, javista, eloísta, sacerdotal. Para quem pensa que se trata de apenas uma tradição, o texto de Gn 6, 5 é um remendo mais ou menos bem arrumado de três, no mínimo. Tradição javista em cinza, eloísta em azul e sacerdotal em negrito. 

v,5 E viu o Yaveh que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente.

v, 6 Então arrependeu-se o Yaveh de haver feito o homem sobre a terra e pesou-lhe em seu coração.
v, 7 E disse o Yaveh: Destruirei o homem que criei de sobre a face da terra, desde o homem até ao animal, até ao réptil, e até à ave dos céus; porque me arrependo de os haver feito.
v, 8 Noé, porém, achou graça aos olhos do Yaveh.


v,9 Estas são as gerações de Noé.
 Noé era homem justo e perfeito em suas gerações; Noé andava com Elohim.
v, 10 E gerou Noé três filhos: Sem, Cão e Jafé.
v, 11 A terra, porém, estava corrompida diante da face de Elohim; e encheu-se a terra de violência.
v, 12 E viu Elohim a terra, e eis que estava corrompida; porque toda a carne havia corrompido o seu caminho sobre a terra.
v, 13 Então disse Elohim a Noé: O fim de toda a carne é vindo perante a minha face; porque a terra está cheia de violência; e eis que os desfarei com a terra.

v, 14 Faze para ti uma arca da madeira de gofer; farás compartimentos na arca e a betumarás por dentro e por fora com betume.
v, 15 E desta maneira a farás: De trezentos côvados o comprimento da arca, e de cinqüenta côvados a sua largura, e de trinta côvados a sua altura.
v, 16 Farás na arca uma janela, e de um côvado a acabarás em cima; e a porta da arca porás ao seu lado; far-lhe-ás andares, baixo, segundo e terceiro.

v, 17 Porque eis que eu trago um dilúvio de águas sobre a terra, para desfazer toda a carne em que há espírito de vida debaixo dos céus; tudo o que há na terra expirará.
v, 18 Mas contigo estabelecerei a minha aliança; e entrarás na arca, tu e os teus filhos, tua mulher e as mulheres de teus filhos contigo.
v, 19 E de tudo o que vive, de toda a carne, dois de cada espécie, farás entrar na arca, para os conservar vivos contigo; macho e fêmea serão.
v, 20 Das aves conforme a sua espécie, e dos animais conforme a sua espécie, de todo o réptil da terra conforme a sua espécie, dois de cada espécie virão a ti, para os conservar em vida.
v, 21 E leva contigo de toda a comida que se come e ajunta-a para ti; e te será para mantimento, a ti e a eles.
v, 22 Assim fez Noé; conforme a tudo o que Elohim lhe mandou, assim o fez. 
Gênesis 6:5-22

v,1 Depois disse o Yaveh a Noé: Entra tu e toda a tua casa na arca, porque tenho visto que és justo diante de mim nesta geração.
v, 2 De todos os animais limpos tomarás para ti sete e sete, o macho e sua fêmea; mas dos animais que não são limpos, dois, o macho e sua fêmea.
v, 3 Também das aves dos céus sete e sete, macho e fêmea, para conservar em vida sua espécie sobre a face de toda a terra.
v, 4 Porque, passados ainda sete dias, farei chover sobre a terra quarenta dias e quarenta noites; e desfarei de sobre a face da terra toda a substância que fiz.
v, 5 E fez Noé conforme a tudo o que o Yaveh lhe ordenara. 
v, 6 E era Noé da idade de seiscentos anos, quando o dilúvio das águas veio sobre a terra.
v, 7 Noé entrou na arca, e com ele seus filhos, sua mulher e as mulheres de seus filhos, por causa das águas do dilúvio.
v, 8 Dos animais limpos e dos animais que não são limpos, e das aves, e de todo o réptil sobre a terra,
v, 9 Entraram de dois em dois para junto de Noé na arca, macho e fêmea, como Elohim ordenara a Noé. 
Gênesis 7:6-9


3. Apenas nesse pedaço, é possível perceber as diferenças das tradições agrupadas em um mesmo bloco. Repare que uma chama deus de Yaveh e outra Elohim [básico]. São dois diferentes motivos que Yaveh e Elohim decidem destruir a terra com dilúvio. Primeiro, em fonte javista, a maldade, intenções ou pensamentos do coração, eram más. Em fonte eloísta,  "a terra se corrompeu e se tornou violenta". 

4. Em se tratando da quantidade de animais, também existe diferença entre as duas fontes. A tradição javista faz distinção entre animais "puros" e "impuros", destacando que sete pares de cada animal puro entraria e apenas dois pares de animais impuros. 

"De todos os animais limpos tomarás para ti sete e sete, o macho e sua fêmea; mas dos animais que não são limpos, dois, o macho e sua fêmea".

Na tradição eloísta não há essa distinção, já na sacerdotal apenas dois pares de cada animal entrariam na arca. (Gn 7,9). 

5. Depois continuo com outras diferenças...

André Francisco

terça-feira, 5 de março de 2013

Josivaldo, o Conservador.



Josivaldo era um homem de meia idade. Seus filhos sempre o chamavam de coroa, mas ele, sempre de bom humor relevava “o coro aqui ainda dá um bom caldo”. Era comerciante, e passava seus dias de trabalho vendendo roupas de todos os tipos a atacado e varejo. Possuía boa lábia para os negócios, além de ter uma noção empresarial bastante profissional. Josivaldo era daquele tipo de homem que as pessoas poderiam dizer que havia alcançado algum sucesso na vida. Boa praça, dois filhos, casamento aparentemente saudável de vários anos, negócios prósperos; uma boa coerência com aquilo que chamam de vida capitalista realizada.

Contudo, a lente que se olha por fora, não é a mesma que se enxerga por dentro. Aparentemente a vida daquele homem era feliz, mas nos bastidores, revelava uma profunda desarmonia com a vida lá fora.
Josivaldo era um conservador. Um homem de difícil diálogo nas questões da vida. Sua visão de mundo sempre pareceu correta aos seus próprios olhos e sempre achou ter razão em tudo, justificando-se pela tradição e pelo seu aparente sucesso na vida.  Religião, Política, Futebol, Música e Cinema eram seus temas favoritos. Para todos eles tinham uma opinião formada e só abria mão dela quando um conservador mais experiente falava. O resto era pitaco de moleque.

Pois bem, os tempos eram modernos e complexos e o mundo não girava mais como 50 anos atrás, mas na cabeça daquele comerciante de meia idade com cabelos brancos e calvos nada havia mudado; apenas se tornara mais “violento e promiscuo” dizia ele embarrotado de uma forte tradição católica.

Seus filhos, porém não compartilhavam de suas ideais. Seu filho, atraído pela música, curtia os Beatles e os Rolling Stones e era um roqueiro inveterado de roupas pretas e tudo. Quando completou 18 anos fez uma tatuagem de um totem enorme nas costas. Josivaldo, surpreendido pela atitude castigou o rapaz de diversas formas e disse que gostaria que seu filho fosse um homem normal, pois o envergonhava, se tornando uma pessoa esquisita e patética. Aos 22, o incompreendido moço saiu de casa.

Sua filha mais nova se via em uma dubiedade de pensamentos. Ao mesmo tempo em que era influenciada fortemente pelo pai e suas retóricas pós jantar, vivia em mundo muito diferente do que ele pregava. Na escola, convivia com homossexuais, lésbicas, filhos divorciados e filhos de pais com o mesmo sexo, além de amigos que tentavam o suicídio e colegas que perdiam suas virgindades com 13 anos de idade, sem falar nos usuários de drogas, algo já considerado normal. Contudo aquela moça percebia que muitas pessoas diferentes daquilo que era correto de acordo com os bons costumes pregados pelo pai, eram mais felizes realizadas e amáveis do que a sua relação familiar. Percebeu que os seus laços familiares eram um tanto quanto superficiais e estranhos, algo mecânico, engessado pelo cotidiano e que as pessoas de sua família de fato não se conheciam bastante, intimamente falando e que tudo aquilo parecia um grande jogo bem feito de The Sins. Enveredou-se então pela busca de sentido no amor fraternal, ia as baladas com as amigas, usava alguns tipos de drogas leves, teve vários namorados, tornou-se fria e desapegada. O mundo para ela passou a ser mar de sentimentos, desapegados da razão. A essencialidade do ser vinha pelo sentir, pelo conhecer, pelo novo e pelas experiências que se podia ter. A razão outrora lhe pregava peças na continuidade dos seus laços afetivos e eles nunca duravam muito, pois sua moral não lhe permitia que sua própria consciência fosse desmascarada pelos caminhos usados para a busca do verdadeiro.  Não tolerando mais os discursos moralistas de seu pai, que tiravam a harmonia e o equilíbrio de seus bons dias, pediu que fosse enviada para um colégio interno em um lugar distante e de lá partiu para a faculdade e nunca mais voltou para casa, exceto no natal de todo ano.

E por fim, falaremos de alguém ainda não mencionado. A mãe das crianças e a esposa de Josivaldo. Era uma verdadeira parceira, até mesmo de seus ideais e idéias, mas possuía sua visão de relacionamento matrimonial baseado em princípios feministas e modernos de valor igual entre os sexos, compreensão emocional, apoio afetivo, interação transparente e auto-esforço para melhoria do relacionamento constante em nome do Amor. Josivaldo por sua vez era o que poderíamos chamar de brucutu á moda antiga. Acreditava na superioridade dos homens e no papel provedor do macho aliado ao papel submisso e caseiro da mulher, que cuidava da casa e dos filhos enquanto o homem estava na praça conquistando o sustento diário. Não era aberto a terapias e dialogar em um tom emocional não era seu forte, ou seja, discutir relacionamento. No sexo era terrivelmente monótono, não surpreendia e não provocava desejo ardente em sua parceira depois de vários anos, na verdade ela se considerava apenas um depósito de esperma e um objeto de satisfação sexual do marido. Ele por sua vez não via problemas nessa questão, pois acreditava que tudo ia normal e que o mundo pintado por ele fazia perfeito sentido para todos. A mulher aprisionada entre os princípios que uniam aquela relação e os seus desejos modernos totalmente insatisfeitos entrou em uma espécie de tristeza crônica e perdeu a graça de viver e só pode recuperar a excitação pela vida depois de perceber que deveria romper com aquele relacionamento que já beirava os 30 anos de idade.

Enfim, a complexidade da vida moderna era um páreo duro para a visão de mundo de um homem como Josivaldo. Aparentemente tudo era muito tranqüilo e bem sucedido. Seus amigos sempre falavam em como ele era um homem de bem, afortunado e queriam até apoiá-lo na política de sua cidade nas próximas eleições, diziam que ele tinha todas as qualidades de um homem do povo. Contudo, internamente faltava aquele coroa experiente uma simples qualidade difícil de obter por aqueles que se acham donos da razão: que o mundo não funcionava como fora pintado em sua cabeça, que o outro deveria ser compreendido em sua visão de mundo, que os tempos eram outros e as relações eram mais complexas, que se quer viver em uma visão de mundo fechada, ou seja muito rico, do tipo milionário, para ser egocêntrico e conquistar todos pelo dinheiro ou esteja preparado para não ter o diferente ao seu lado. Pobre do Josivaldo que tinha uma família diferente, afinal quando o diferente não está em nossa casa, não importa.

Rodrigo Mascarenhas

sábado, 2 de março de 2013

Conto: Um palhaço, uma mãe e uma missão.


Luiz sempre quis ser palhaço. Filho de pais de origem búlgara; possuía uma grande fascinação pela representação. Desde criança, quando era anunciada a visita de palhaços em sua escola, ou mesmo quando seus pais de mês em mês iam aos circos que visitavam a cidade, ficava atônito, esfuziante, feliz da vida; sempre dizia que aquele fora o melhor dia de sua vida, é claro, foram vários e vários melhores dias de sua vida. Sua reação ao homem de nariz vermelho, cabelos arrepiados e grandes sapatos era natural. Achava interessante como alguém poderia fazer aquilo; aquilo de ter outra face, outro semblante, estar sempre esbanjando alegria, bom humor, contar piadas hilárias, causar diversão e arrancar gargalhadas de todos na platéia, até mesmo de sua diretora ranzinza da qual ele tinha pavor. Luiz ria e ria, por horas, mesmo após o término do show, reunia seus colegas para contar as mesmas piadas e fazia chacota daqueles que tinham medo do narigudo pintado e choravam quando ele se aproximava. Era uma festa. Se havia uma coisa que Luiz gostaria de fazer era brincar de palhaço. Sua mãe, ciente de sua paixão, comprara para ele DVDs de shows de palhaços, algumas roupas, grandes botas e um nariz, além de muita maquiagem espalhafatosa. Sua platéia eram seus bonecos de super heróis que ele tinha uma valiosa coleção. Heróis da Marvel e de outros tipos, mas um em especial que era uma cópia do famoso palhaço Bozo, que Luiz assistia os desenhos na TV e via os vídeos de suas apresentações; grandes atuações diante de sua platéia de bonecos ele fazia.

O tempo se passou e Luiz ainda alimentava seu grande sonho de ser palhaço. Escolheu então cursar Artes cênicas e dar corpo a sua ambição. Desejava ser o melhor de todos e era bastante interessado, talentoso e vocacionado para tal missão. Na escola era normal formar rodas de colegas para contar piadas e fazer imitações dos professores que tinham tiques e expressões bizarras. Era um referencial do humor, um garoto bem popular, fazia sucesso com as meninas e todos gostavam do rapaz, menos aqueles que tinham inveja de sua popularidade, o que era normal. Contudo nunca se aproveitou de seu dom para tirar vantagem dos colegas, dos tímidos e dos menos populares, o que era visto com bons olhos pelo corpo docente do colégio, que sempre o apontavam como um menino de sucesso.

Os primeiros momentos de contato de Luiz em seu novo e primeiro curso foram animadores. O rapaz havia se encontrado, tudo para ele fazia sentido. Havia nascido para aquilo. A simbiose era perfeita. Seus pais, que eram um casal de negócios e comerciantes por natureza, mesmo que achassem no fundo que o filho devesse escolher uma carreira mais segura, voltada para os negócios da família que eram muito lucrativos, apoiavam sua iniciativa, pois percebiam que não poderiam lutar contra uma vocação tão explicita, animadora, que contagiava e que proporcionava tantas alegrias nas reuniões de família, principalmente quando todos se reuniam para as festas de fim de ano, Luiz sempre dava um jeito de fazer seus shows, conquistar a amabilidade das idosas tias, a admiração dos homens de uma família de negócios e os risos insinuantes de suas belas primas do interior. O tempo se passou e Luiz se formou com louvor. Sua mãe que sempre o apoiara e dava incentivo ao filho nos momentos de dificuldades e de tristeza, estava lá, para ser a sua acompanhante na colação de grau. Uma bela festa. Muito choro, riso e belas palavras, como é toda inesquecível colação de grau.

O hilário moço deu forma ao seu personagem preferido, o palhaço. Começou pelo teatro, várias turnês e apresentações. Todos começaram a gostar de seu trabalho. Com o reconhecimento conquistou o espaço na televisão em uma programação infantil, mas não abandonou os palcos de teatro, era sua maior diversão, achava mais excitante estar em contato direto com a platéia. Seus pais vez em quando viam assistir suas apresentações e dificilmente perdiam seu programa de TV, exibido pelas manhãs.

Em um dia tranqüilo e normal Luiz recebe um telefonema em seu escritório residencial. Era sua mãe. Ficava sempre feliz quando ouvia sua voz, mas nesse dia desligou o telefone com um forte aperto no peito. Sua mãe ligara para informar que havia contraído um tipo raro de câncer e que só possuía mais alguns meses de vida no auge dos seus 50 e poucos anos de idade. Agora era só esperar o tempo passar e aproveitar o restante da vida fazendo aquilo que gostava e bem ao lado daqueles que amava. A medicina á desenganara. Uma sensação bem estranha sentia Luiz, aquela de ver sua mãe bem ali ao seu lado, mulher de pulso firme, mas amável, que sempre possuía uma palavra sábia para lhe dar, uma guerreira que era seu porto seguro, fonte de inspiração para muitas de suas palhaçadas, que sempre acreditara no seu talento e incentivava o moleque a seguir seu caminho, mesmo quando todos não pareciam se importar, mas que daqui a alguns míseros dias iria partir desta vida através de uma doença que não perguntou se poderia fazer acontecer tal tragédia ou se esse era de fato o momento certo para aquilo que era deixar de ser, um presente da morte, uma fatalidade da natureza.

Pelos cálculos médicos haveria ainda mais ou menos dois meses de vida para dona Flávia, contudo nessas condições e perspectivas os dias se passavam muito rápidos e sua família mesmo sentido uma terrível dor pela perda iminente, tentava esbanjar alegria e fazer dos seus últimos dias memoráveis e satisfatórios, para que todas as consciências pudessem ser satisfeitas, mesmo que talvez fosse isso improvável. Luiz, por sua vez, experimentou pela primeira vez em muitos anos uma crise de profunda tristeza em seus dias. Era um profissional do humor, mas não possuía humor nem para ele mesmo. Naquele momento sua vida era de uma ausência de humor, alegria e inspiração tão grande que o jovem rapaz pode perceber o poder que sua maquiagem, que lhe dava um belo falso sorriso e os textos dirigidos aplicados com as técnicas de interpretação, proporcionava para que sua missão fosse concluída, mesmo que intimamente não possuísse condições nenhuma para isso. Luiz entendeu que o dom que fora lhe dado custava muito caro. Sua missão era de levar alegria aos lares, ás pessoas, ás famílias, mesmo que sua própria vida, sua própria família estivesse imersos em um grande poço de tristeza. Entendeu que a natureza do vocacionado era completar sua jornada, mesmo que as pedras estivessem no caminho, à tentação batesse á sua porta ou a vida lhe desse uma tremenda rasteira quando menos esperasse. Viu então que a própria vocação lhe proporcionava a força que precisa, para continuar mais um dia; percebeu que aquilo que nasceu para fazer deveria ser feito, pois não é apenas parte de si, mas uma transcendência para o mundo real, de partes que se complementam em um todo. Um dom que não fora dado ou recebido para satisfação própria, ou para apenas momentos felizes, mas para a satisfação e a motivação de diversas pessoas. Observou que um riso de uma pequena criança lhe dava animo para por um momento esquecer a tristeza que invadia seu ser e poder ser instrumento da alegria para diversas pessoas. Mesmo doente, em fase terminal sua mãe lhe dizia, “não pare meu filho, não deixe de fazer ás pessoas felizes, esse é o seu dom e esse será seu consolo nos seus dias tristes”. Pode perceber que sua mãe também possuía um dom e o exercia mesmo em vista da morte, o dom de aconselhar, o dom de amar, o dom de ser mãe, o dom de dar a sua vida pelos queridos. Isso o fez entender que não poderia parar, nem desanimar. Seus pensamentos foram direcionados para uma perspectiva positiva de tudo aquilo que estava enfrentando. Estava naquele momento vencendo seus demônios, seus medos. Vencia todos os dias sua grande tristeza, seu luto, sua dor de perder seu ente mais querido, em nome do reino da Alegria.

Ao fim dos dois meses, como previsto pelos médicos sua mãe falecera numa tarde ensolarada de segunda-feira. Luiz estava no trabalho, vestido como um palhaço, prestes a dar inicio a uma apresentação quando recebeu a noticia da fatalidade. No outro dia seria o cortejo fúnebre. Cancelou todos os seus compromissos e partiu rumo ao velório, vestido mais uma vez como palhaço. Pintou-se, fez o tradicional sorriso de uma arte antiga, mas que nunca perdeu a graça; colocou seu nariz vermelho, usou sua melhor bota e foi, para aquela que seria sua apresentação máxima, magnânima; a coroação de todo o seu trabalho. Aquele momento representava a divisão de dois momentos em sua vida. A busca pelo sonho e a concretização dele. Sentia que a morte de sua mãe lhe deixara um grande recado: ele havia vencido e ela juntamente com ele. Sua morte não era apenas um pesar, uma fatalidade do acaso, era a coroação e a glória de uma guardiã, uma auxiliadora, uma guerreira, uma guia da natureza e representação da graça. É interessante que na maioria dos momentos de glória, as pessoas nunca costumam esquecer-se de suas mães, essas sempre são lembradas, a despeito dos pais que geralmente não possuem papel central na vida do filho quando se fala em sonhos e na realização desses na perspectiva de motivação e confiança. Elas sempre acreditam. Flávia sempre acreditou. Ali estava um fruto do amor incondicional, selando o seu compromisso com o seu presente mais valioso dado talvez por Deus, ou pelo acaso, pelo destino ou natureza, não saberia dizer, mas na forma e condição de presente existencial, as mães sábias e valorosas, amantes e firmes, doces e corretas, bravas e ingênuas, onipresentes se tratando da matéria filho e divinas ao ponto de fornecerem paz através de um simples olhar, um afago, um abraço, uma frase e um puxão de orelha, sempre ensinando a respeito da arte de viver. Delas herdamos a capacidade de enxergar o amor e acreditar em um futuro bom. Luiz estava ali para tentar dizer tudo isso. Era o menestrel do momento. Suas lágrimas que não paravam de cair misturavam-se com sua maquiagem e produziam um aspecto triste e sombrio ao homem que usava máscaras para aparentar que tudo estava normal; mas não era possível, diante de verdadeiros sentimentos, nenhuma máscara resiste. A tristeza era o seu verdadeiro sentimento naquele momento, misturada com altas doses de nostalgia, saudosismo, saudades, paixão e principalmente luto. O padre, condutor da cerimônia, passou então a palavra para o grande orador, Luiz, o palhaço. Entrou em cena, como seu fosse a sua primeira vez, com uma rosa na mão, uma colorida roupa, centenas de pessoas enlutadas a sua volta; nunca havia enfrentado uma platéia tão triste, seria impossível reverter os ânimos, colocar sua arte em prática, arrancar risos, mas mesmo assim lá foi o herói de botas pretas, tentar ao menos trazer á tona as boas lembranças que nos fazem reviver momentos de felicidades eternizados nos corações daqueles que a conheciam, mesmo que a felicidade nunca seja novamente revivida em sua totalidade nas lembranças, mas que uma pequena porção é memorada e aquele sentimento por um momento capta um reflexo da alma que não se perde, mas está bem vivo, alimentada pela capacidade humana de ser eternamente um, apesar de insistirem em nos separar em três: passado, presente e futuro por diversas razões. Luiz então disse diante de todos:

Hoje, tiro todas as minhas máscaras, mas deixo apenas uma: a de que mesmo com toda dor, sofrimento e perda de que a vida nesse momento nos proporciona através dessa inexplicável perca, o sorriso nunca possa faltar em nossos rostos, pois a esperança nada mais é do que uma nobre tentativa de acreditar quando tudo permanece um sórdido caos. E talvez alguns se perguntem: acreditar em que? Eu digo: acreditar no amanhã. Acreditar em nossos sonhos. Acreditar que são possíveis dias melhores. Acreditar no olhar de uma criança. No feliz choro de uma mãe. No abraço de um amigo. Na luz do sol e no verde dos campos. Na vitória daqueles que são desacreditados. No talento dos que não possuem chances. Na vida, que é a progenitora de todo esse teatro de emoções inexplicáveis que sentimos. Acreditar que a jornada pode valer à pena e que tudo é possível na medida da crença se o sacrifício necessário for feito. Acreditar que todo dia é o último e que nunca teremos ninguém para sempre, fazendo de cada momento uma chance para ser feliz. Acreditar que a morte não pode nos impedir de sermos eternos. Acreditar que é possível ser útil para se fazer o que é correto e que o mundo é construído por pessoas que ousaram desafiar seus limites ou os limites que foram impostos por quem nunca cruzou a linha do possível e do óbvio. Acreditar que é necessário acreditar. Flávia, minha mãe, sempre acreditou e eu sou um dos frutos dessa crença e ainda posso ver uma grande e frondosa árvore, lotado de tais frutos bem aqui, em minha frente, vindos de todos os lugares. Hoje não viemos celebrar a morte, viemos celebrar o poder de acreditar.”

Ao terminar, Flávio ainda possuía seu maquiado sorriso de palhaço, manchado pelas lágrimas que não paravam de cair, contudo amanhã ou depois tudo estaria em sua ordem perfeitamente mais uma vez. E a vida continuava.



Rodrigo de Barros Mascarenhas



sexta-feira, 1 de março de 2013

O espírito "santo"(?) e os tradutores mentiram em 1 Reis 22



1. É, realmente, há muita carta fora do baralho, em se tratando de tradução da Bíblia Hebraica. Às vezes, chego a pensar que não há apenas algumas cartas, mas o baralho inteiro fora do lugar. Destacando aqui, principalmente, as traduções de Bíblias evangélicas, que são menos fieis aos textos originais em comparação às Católicas.

2. Em 1 Reis 22,20-22 encontramos o seguinte texto traduzido, ARCF:

"E disse o SENHOR: Quem induzirá Acabe, para que suba, e caia em Ramote de Gileade? E um dizia desta maneira e outro de outra. Então saiu um espírito, e se apresentou diante do SENHOR, e disse: Eu o induzirei. E o SENHOR lhe disse: Com quê? E disse ele: Eu sairei, e serei um espírito de mentira na boca de todos os seus profetas. E ele disse: Tu o induzirás, e ainda prevalecerás; sai e faze assim". 

1 Reis 22:20-22



3. A história desse texto é esta. Yaveh está assentado em um trono, com sua corte celestial ao redor, 19. A corte celestial composta por deuses menores, os 'elohins, desde que Yaveh se tornou o deus principal do panteão judaico, ultrapassando a El, antigo deus cananeu, venerado por Abraão, por exemplo, como El Shadday (el' shadu, deus da estepe, da montanha). Essa corte é notada em vários Salmos diferentes, como 82, 89. 


4. Pois bem, Yaveh deseja receber uma sugestão de como enganaria o rei, dessa forma, indaga sobre quem poderia induzir Acabe a subir, com a ideia de vitória em mente, para cair em Ramote de Gileade. Depois que Yaveh se pronunciou,  os deuses menores, 'elohins, discutiram entre si, dizendo "uma coisa desta maneira e outro de outra". 

5. Lá no meio da corte estava ruah, o espírito profético personificado. Esse aí é o mesmo que sempre resolve alguma coisa para seu chefe Yaveh. Funciona como uma espécie de secretário do rei, terreno, tipificado no céu, alegoricamente, é claro. Para quem não se lembra, o ruah é o mesmo agente que está em Gênesis 1,2, a qual é também mal traduzido por "espírito santo" ou "do senhor". 

6. Então, como nenhum 'elohim se prontificou a alguma coisa, o ruah se aproximou e disse que enganaria Acabe, tornando-se um espírito de mentira na boca do profeta. 

7. O problema da tradução é o seguinte. Nas Bíblias evangélicas, querendo limpar a barra do "espírito santo" neotestamentário, no v,21, está escrito que "um espírito" se apresentou e se prontificou a ser um espírito de mentira. Repare novamente: 

"Então saiu um espírito, e se apresentou diante do SENHOR, e disse: Eu o induzirei. E o SENHOR lhe disse: Com quê? E disse ele: Eu sairei, e serei um espírito de mentira na boca de todos os seus profetas". 

1 Reis 22:21-22

8. No entanto, na língua hebraica, a qual o texto foi originalmente escrito, aparece a expressão הָר֗וּחַ (haruah). Ou seja, "o espírito" e não "um espírito". O artigo definido הָ (ha) em hebraico, necessária, indubitável, inflexível, infalível, irremediavelmente, deve ser traduzido por um artigo definido em português, ou em qualquer língua, não por um artigo indefinido, "um, uma, uns, umas". 

9. Como diz o doutor Osvaldo Luis Ribeiro, especialista em hebraico Bíblico, e exegese histórico-social, "o tradutor traduz "um espírito". Está, obviamente, sob todos os critérios possíveis, errado. Se o hebraico não leva artigo, pode-se traduzir de qualquer jeito, eventualmente: ruah, sem artigo, pode ser, dependendo do contexto, tanto espírito, quanto um espírito, quanto o espírito. Mas, se tem artigo, e, ali, tem, então só pode significar "o espírito". Mas o tradutor acha que esse "ruah" é o Espírito Santo cristão - porque, sendo cristão, ele roubou para si a Bíblia Hebraica, que não é cristã e nada sabe de "Trindade". Como, na passagem, esse ruah, que ele acha que é o Espírito Santo da Trindade, diz que vai ser um espírito de mentira na boca dos profetas, a saída que o tradutor vê é não traduzir o que está escrito, alterando o sentido do texto bíblico, para não ferir a "fé": "o espírito" vira "um espírito". quer dizer, um espírito qualquer, não o Espírito Santo... Agora, o tradutor pode vender sua Bíblia e dormir feliz. Mas a Bíblia foi traída...".
(http://peroratio.blogspot.com.br/search/label/tradu%C3%A7%C3%A3o)

10. Concluo, dizendo o seguinte. Acho que é falta de vergonha na cara desses tradutores, enganar, ludibriar, corromper, descontextualizar o sentido das palavras dos textos hebraicos, apenas por fins lucrativos e de manipulação da fé. 

11. A saída, penso que é o estudo exegético histórico-crítico-social dessas fontes. Agora, para isso, a tradição tem de ser deixada de lado. E dói, hem! 

André Francisco

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