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sexta-feira, 31 de maio de 2019

Cosmologia Vétero-Oriental: Gênesis

1. Um dos obstáculos que se enfreta ao ler o livro do Gênesis é a presença de diferentes cosmologias interagindo no processo exegético-hermenêutico. É relativamente comum que se leia Gn 1-3 a partir de uma cosmologia cristã medieval, ou de uma das cosmologias modernas científicas. Em qualquer desses casos, cria-se situações exegeticamente inadequadas. Por exemplo: se se tenta, do ponto de vista de um criacionismo cientificista, fazer o relato de Gênesis combinar com os achados científicos, normalmente interpreta-se erradamente o texto bíblico. Se se tenta, por outro lado, a partir de uma cosmologia mecanicista do mundo, avaliar o relato de Gênesis, normalmente ele é considerado inválido cientificamente. Nenhuma dessas alternativas é adequada para a compreensão do texto bíblico

2. A cosmologia vétero-oriental, com variantes, é claro, concebia a o mundo em três níveis: (a) o nível superior, celestial ou divino, habitado por um grande número de deuses e deusas – em constante comunicação com o nível intermediário e, em menor grau, com o nível inferior – localizado acima do “céu” visível a olho nu; (b) o nível intermediário, da terra, concebido mais ou menos como uma lâmina quadrada sustentada por colunas acima das águas do nível inferior, habitado por criaturas não-vivas e vivas – distinguidas, por sua vez, entre “humanos” e “animais” (entre aspas, porque as concepções de “homem” e “animal” não eram as atuais modernas); e (c) o nível inferior, localizado debaixo da terra, que é o mundo da morte, habitado por deuses (vivos) e seres humanos (mortos), no qual se encontra o “mar” ou os “rios” originários. [Um lembrete: os termos “mundo” e “cosmologia” são, em certo sentido, anacrônicos, na medida em que veem do mundo grego e do mundo moderno. Os termos vétero-orientais para o que se chama de mundo eram de tipo concreto e não abstrato, como, por exemplo, a hendíade “céu e terra”].


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3. Uma particularidade dessa cosmovisão, no tocante às divindades, graças à sua concepção híbrida, é que elas tanto habitavam nos níveis superior e inferior, quanto no terreno: em montanhas, que faziam a comunicação entre o nível intermediário e o superior (daí o formato antigo dos templos mesopotâmicos, na forma de torres imitando montanhas), ou em nascentes de rios, ou em lugares desertos, ou, enfim, em locais litúrgicos encontrados ou construídos por seres humanos. 

4. Não havia, então, uma compreensão de leis impessoais regendo a vida do nível intermediário – tudo o que acontece “aqui” acontece mediante a atividade dos deuses,de modo que eles devem ser: (a) temidos, posto que podem matar; (b) servidos, posto que possuem um poder supremo; (c) cultuados, posto que podem ser influenciados para fazer coisas boas em nosso benefício; e (d) estudados, posto que podemos conhecer como eles fazem a ordem do mundo funcionar.


5. Do ponto de vista do espaço, um detalhe importante é a vinculação estreita entre o cosmos e o templo – o lugar sagrado de adoração. De modo geral pode-se dizer que o templo é o microcosmos, a ponto de se poder perceber que todo relato de criação tem a ver com relatos de origem ou dedicação de templos, como, e.g. no relato acádico da fundação de Eridu (cidade e templo):

"Uma casa sagrada, uma casa dos deuses num lugar sagrado não tinha sido feita, juncos não tinham crescido, uma árvore não fora criada, Um tijolo não fora assentado, um molde para tijolo não fora construído, Uma casa sagrada não tinha sido feita, uma cidade não fora construída, Uma cidade não tinha sido feita, uma criatura vivente não fora colocada (aí). [...] Todas as terras eram mar. A fonte no centro do mar era um canal. Então Eridu foi feita, Esagila foi construída, Esagila cujos alicerces Lugaldukuga assentou dentro do Apsu. [...] Os deuses, os Anunnaki ele criou iguais. A cidade sagrada, a morada do prazer para seus corações, assim solenemente a chamaram. Marduk construiu uma armação de junco na superfície das águas. Ele criou o barro e despejou-o na armação de junco. Para instalar os deuses na morada do prazer para (seus) corações. Ele criou a espécie humana”.[1]


6. É normal na teologia conservadora a tentativa de conciliar tais eventos com a ciência moderna, ainda que reestruturada através de técnicas como o Designer Inteligente e adaptações à Evolução Darwinista. Porém, o simples comparativo ao processo de formação cosmogônico de povos e culturas do passado prova que é mais fácil relacionar o texto hebreu com aspectos de seus vizinhos limítofres e suas ideias a, temporalmente, com conceitos modernos sobre criação e cosmos. 

André Francisco 

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