1. A ideia sobre o homem enquanto ser vivo e seu valor relacionado ao universo e a si mesmo modificou-se sobremaneira ao longo da história, adaptando-se a diferentes percepções, sempre de acordo com o tipo de conjectura social, religiosa e científica inicial. Nesse contexto, questões como moral e ética, quando adjungidas a determinados pontos de partida do pensamento, tomam proporções e importâncias valorativas distintas. A religião e a astrofísica, principalmente, possuem conceitos que não se relacionam em aspectos fundamentais de pressuposição, com relação ao ser humano em si e diante de sua distinção no todo da realidade.
2. Em se tratando de religião, destacando-se a concepção cristã/judaica, a posição desse homem no universo, enquanto ser criado à imagem e semelhança de um figura divina e soberana, toma proporções extremamente significativas se comparadas ao resto do que se conhece como matéria, espécies de seres vivos, leis naturais, etc. Ou seja, propõe-se inicialmente que todas as coisas que existem foram criadas e se mantém funcionado pois possuem relação especialmente estrita com o sentido e a intenção da vida humana em seu início, meio e destinação final futura. No vernáculo religioso, o plano divino da criação de todas as coisas se baseia única e exclusivamente na centralização de todos os acontecimentos posteriores aos humanos e sua sobrevivência. A ética e a moral caminham de mãos dadas a esse esquema planejado, pois é sustentação e pretexto para o comportamento, o direito, o certo e o errado da espécie no desenrolar de sua história.
3. O valor do homem nesse arquétipo espiritualizado sobrepuja-se a todos os demais, sejam às criaturas vivas ou à matéria inanimada. A terra torna-se o centro das ações e das intenções da divindade, o sol, a sua estrela mais importante. Consequentemente- ainda que não haja a sistematização da ideia real dessa teoria na intenção de seu expositor e defensor; ou mesmo que permaneça o desconhecimento dessa ciência- o sistema solar passa a ter proporções magnas, sendo que todos os eventos, observáveis ou não, canalizam-se para consolidar o trâmite da vida humana. Em relação à doutrina, destacando-se o plano soteriológico da divindade em relação às falhas de sua "principal criação", sobreleva-se esse conceito, ao se pensar que o universo será em um determinado momento destruído e reconstruído (depende da cosmovisão teológica) devido à maculação de suas características iniciais a partir do cometimento do dito "pecado original". Toda essa estrutura valoriza o ser humano a ponto de entender, em aspectos finais, que sua existência é a determinante das demais secundárias citadas.
4. Em contrapartida, quanto mais evolui o conhecimento científico relacionado à astrofísica, como também em outras áreas da observação e experimentação, mais se relativiza a posição e o "valor" do homem diante da estratosférica magnitude do universo. Torna-se embaraçoso acreditar que apenas uma espécie de ser vivo logra posição tão destacada quando equiparada à realidade até então conhecida, se não, a partir da argumentação religiosa. Haja vista uma comparação de proporções, antes de Galileu, a centralidade da terra e do homem em relação ao cosmo sustentava completamente o valor da significância em relação às demais formas de vida e matéria conhecidas. Depois dele e, principalmente agora, o reconhecido sistema solar, a Via Láctea e suas bilhões de estrelas e planetas, as outras bilhões de Galáxias em expansão, diante do extensíssimo espaço-tempo, os documentados buracos-negros, supostos buracos-de-minhoca, rachaduras do Universo, etc, etc, etc, compõem uma estrutura sistemática de informações que sobressaem-se completamente aos paradigmas antigos da concepção da realidade. O homem passa a ser entendido como apenas parte do todo, nunca como o todo das partes. Seu lugar fica inúmeras vezes mais fragmentado. Já não se admite o princípio da especialidade de sua origem, existência e finalidade futura. Não cabem conjecturas que apontam a sobressalente importância dessa espécie dentro do bojo geral. O positivismo supera às preposições teológico-metafísicas.
5. Diante de tais informações, é facilmente percebido que a antropologia científica se difere da religiosa se postas à ponta do lápis. Suas bases de argumentação não se assemelham em questões fundamentais, e não há espaço para uma relação consistente entre elas. Nada disso quer dizer que moral e eticamente não haja referências para que o homem continue consolidando suas pressuposições sociais. Aliás, é provado que a religião não é a chave para criação desses aspectos estritamente falando, haja vista que o direito sempre foi usado para tal, de acordo com as convenções adquiridas a partir de diversos aglomerados de pessoas comungando e aplicando uma relação social local. Mas essa temática é extensa e poderá ser abordada em outro momento. O que aqui se propôs a dizer é que, diferentemente do que muito se fala, quanto mais secularizado e racional é o pensamento, mais o "valor relativo" do homem em referência ao todo diminui. Em contrapartida, na religião, essa especialidade aumenta.
André Francisco
"Nada disso quer dizer que moral e eticamente não haja referências para que o homem continue consolidando suas pressuposições sociais". Dado que a racionalidade é um equívoco a base equilibrante da biosfera, sobra-nos apenas a ética à sobrevivência humana, caso nossos instintos assim os desejem.
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