Nesses aprox. 100.000 anos de
homo sapiens (com essa estrutura corporal que temos hoje) a humanidade passou
por inúmeras transformações epistemológicas, ontológicas e metafísicas. Temos um
grande avanço, com a invenção da linguagem comunicativa escrita há
aproximadamente 7.000 anos, onde podemos registrar nossos pensamentos a
respeito dos diversos assuntos. A invenção do pensamento sociológico, como
ciência, é recente (durkheim e weber), contudo, suas manifestações e seus
acontecimentos, como um fenômeno, se dá desde que o homem é homem e as estruturas
sociais se manifestam.
Com isso, posso afirmar que nós,
homens, pertencentes ao mundo pós – moderno (alguns definiriam como modernidade
tardia, outros como apenas modernidade), que temos o des – foco da verdade
(idade média – Deus, modernidade – Ciência, Pós – modernidade - ?), e uma enorme
frustração com as estruturas sociais vigentes, poderíamos, de vez em quando,
olhar a história nestes milhares de anos (100.000) e buscar uma luz para
nossos problemas. Nada melhor que projetar (ou tentar) o futuro, olhando para o
passado, pois é de lá que olhamos nossos erros, nossos acertos e refletimos a
respeito de nossas possibilidades.
Os ameríndios (povos indígenas
americanos) foram um desses marcos do passado que contribuíram na história, com
uma ecosofia interessante e que podemos retirar lições esquecidas ou pouco
lembradas. Como esse texto não passa de uma análise, não pretendo aqui propor
uma “receita de bolo” para nossos problemas, mas mostrar que nem sempre fomos
assim (emergidos no caos) e que talvez haja uma esperança de mudança em nossos
sistemas de vida.
Quero lhes mostrar a perspectiva de um
pequeno povo, em sua vivência da realidade e de sua cultura ancestral, se
estabelecendo como um contraponto fundamental em relação à forma de vida que
implica a todos nós.
Ensina-nos Rudolf Bultmann que o
pensamento mitológico concebe a ação de Deus na natureza, na história, no
destino humano ou na vida interior da alma. Intervém no curso dos
acontecimentos: rompe, e ao mesmo tempo enlaça os acontecimentos. A ideia da
ação de Deus como ação no mundo tem lugar no pensamento ameríndio - no caso o
guarani - como acontecimento que une o sobrenatural e o mundano, de tal modo
que não há separação entre eles. Há uma totalidade. E esse acontecimento só é
percebido pela implicação da ação humana nele. Eles mesmos, como homens, são
sujeitos da ação da divindade. A relação não seria sujeito-objeto, mas sujeito-sujeito.
É uma relação de liberdade, de confiança que se sente e sabe nessa relação.
O pesquisador Chamorro, ao pesquisar o
Avatikyry, a festa religiosa guarani que acontece todos os anos quando o milho
começa a amadurecer, registra a fala do cacique Lauro, que explica a razão pela
qual eles entoam o canto sagrado nessa ocasião:
Quando
cantamos o “heee he he” (canto sagrado) - Nanderára recebe a palavra que lhe enviamos.
Ele diz: Bom filho de Deus. Isto acontece no céu, mas nós nos damos conta que
Deus nos está chamando. (...) reconhecemos que Deus já está adornando o corpo
de itymbi, que é criatura e é Deus ao mesmo tempo. E ele com sua dança faz
brotar e crescer o milho até amadurecer. A gente não vê isso, mas nós cremos
que está ocorrendo.
Tal pensar não é apenas simbólico, mas
concepção que afirma as ações de Deus como ações em relação existencial com o
mundano, sua ação é sobre todos os entes.
Na prática os indígenas não separam o
que costumamos separar. Nesse sentido a sua religiosidade condensa e sintetiza
de uma forma fascinante a indissolubilidade entre o homem e o cosmo, a individualidade
e a coletividade, a arte e a vida, a ética e o estético.
O filosófo Guattari (1989) de certo
modo reafirma o fundamento desse modo de vida ao dizer que se tornou
imprescindível a construção de uma nova ecosofia, conceito que articula as três
ecologias: a mental, a social e a ambiental. Ou seja, as relações consigo
mesmo, seu corpo, os mistérios da mente, emoções, sensações; relações com os
outros , desde as relações geradas na família passando pelo bairro, cidades até
aquela que se estabelece entre nações e povos; relações dos seres humanos com a
natureza, passando pelas relações espirituais expressas pela religiosidade, até
às ações motivadas pela necessidade de sobrevivência.
Singular
e assombroso o destino de um povo como os Guarani!
Marginalizados
e periféricos, nos obrigam a pensar sem fronteiras.
Tidos
como parcialidades, desafiam a totalidade do sistema.
Reduzidos,
reclamam cada dia espaços de liberdade sem limites.
Pequenos,
exigem ser pensados com grandeza.
São
aqueles primitivos cujo centro de gravitação já está no futuro.
Minorias,
que estão presentes
Na
maior parte do mundo.
Bartolome
Meliá
Situações como estas nos chamam a
reexaminar, a repensar questões que sempre foram o fundamento de uma
civilização em construção como aquelas... e como a nossa: O que significa ser
um ser humano ? o que entendemos por real e realidade? Definiu-se o homem
primeiramente pelas necessidades, a começar pelas necessidades econômicas. Ora,
obviamente que a definição de homem é ideológica e simetricamente a ela
desenvolve-se a ideologia econômica moderna. Sendo o homem definido como ser de
necessidades, o problema maior é o da satisfação das necessidades que se
desdobram como necessidades artificiais, desenvolvendo nele a “obsessão do
bem-estar”. E isso está relacionado ao que perguntávamos em nossas aulas de
filosofia: O ter é um mal em si ou pode vir-a-ser? Tal indagação nos leva a
pensar como nos comportar frente a um mercado que desenvolve a cada dia
estratégias mais agressivas para nos enredar cada vez mais no desejo de posse.
Querer ter mais não é tão inocente quanto parece a alguns, é uma das armadilhas
da existência levada às últimas conseqüências pela civilização ocidental.
“Os bárbaros não são, como alguns de meus inocentes alunos às vezes pensam, os povos com tecnologias primitivas. Bárbaros são povos sem sentido regressivo do passado, os erros do passado, as loucuras do passado, que estão aptos a atacar as potencialidades do presente com menos inibições. Portanto, o que caracteriza o barbarismo é uma ausência de memória histórica”.
Philip Rieff
Obs. Primeira Parte de um Todo, Semana que vem Postarei a Segunda Parte.
Referência Bibliográfica
SCHUBERT, Arlete
pinheiro – A sabedoria Ameríndia – Uma antiga Ecosofia
Por Rodrigo de Barros Mascarenhas
Nenhum comentário:
Postar um comentário