Josivaldo
era um homem de meia idade. Seus filhos sempre o chamavam de coroa, mas ele,
sempre de bom humor relevava “o coro aqui ainda dá um bom caldo”. Era
comerciante, e passava seus dias de trabalho vendendo roupas de todos os tipos
a atacado e varejo. Possuía boa lábia para os negócios, além de ter uma noção
empresarial bastante profissional. Josivaldo era daquele tipo de homem que as
pessoas poderiam dizer que havia alcançado algum sucesso na vida. Boa praça, dois
filhos, casamento aparentemente saudável de vários anos, negócios prósperos;
uma boa coerência com aquilo que chamam de vida capitalista realizada.
Contudo,
a lente que se olha por fora, não é a mesma que se enxerga por dentro.
Aparentemente a vida daquele homem era feliz, mas nos bastidores, revelava uma
profunda desarmonia com a vida lá fora.
Josivaldo
era um conservador. Um homem de difícil diálogo nas questões da vida. Sua visão
de mundo sempre pareceu correta aos seus próprios olhos e sempre achou ter
razão em tudo, justificando-se pela tradição e pelo seu aparente sucesso na
vida. Religião, Política, Futebol,
Música e Cinema eram seus temas favoritos. Para todos eles tinham uma opinião
formada e só abria mão dela quando um conservador mais experiente falava. O
resto era pitaco de moleque.
Pois
bem, os tempos eram modernos e complexos e o mundo não girava mais como 50 anos
atrás, mas na cabeça daquele comerciante de meia idade com cabelos brancos e
calvos nada havia mudado; apenas se tornara mais “violento e promiscuo” dizia
ele embarrotado de uma forte tradição católica.
Seus
filhos, porém não compartilhavam de suas ideais. Seu filho, atraído pela
música, curtia os Beatles e os Rolling Stones e era um roqueiro inveterado de
roupas pretas e tudo. Quando completou 18 anos fez uma tatuagem de um totem
enorme nas costas. Josivaldo, surpreendido pela atitude castigou o rapaz de
diversas formas e disse que gostaria que seu filho fosse um homem normal, pois
o envergonhava, se tornando uma pessoa esquisita e patética. Aos 22, o
incompreendido moço saiu de casa.
Sua
filha mais nova se via em uma dubiedade de pensamentos. Ao mesmo tempo em que
era influenciada fortemente pelo pai e suas retóricas pós jantar, vivia em
mundo muito diferente do que ele pregava. Na escola, convivia com homossexuais,
lésbicas, filhos divorciados e filhos de pais com o mesmo sexo, além de amigos
que tentavam o suicídio e colegas que perdiam suas virgindades com 13 anos de
idade, sem falar nos usuários de drogas, algo já considerado normal. Contudo aquela
moça percebia que muitas pessoas diferentes daquilo que era correto de acordo
com os bons costumes pregados pelo pai, eram mais felizes realizadas e amáveis
do que a sua relação familiar. Percebeu que os seus laços familiares eram um
tanto quanto superficiais e estranhos, algo mecânico, engessado pelo cotidiano
e que as pessoas de sua família de fato não se conheciam bastante, intimamente
falando e que tudo aquilo parecia um grande jogo bem feito de The Sins.
Enveredou-se então pela busca de sentido no amor fraternal, ia as baladas com
as amigas, usava alguns tipos de drogas leves, teve vários namorados, tornou-se
fria e desapegada. O mundo para ela passou a ser mar de sentimentos,
desapegados da razão. A essencialidade do ser vinha pelo sentir, pelo conhecer,
pelo novo e pelas experiências que se podia ter. A razão outrora lhe pregava
peças na continuidade dos seus laços afetivos e eles nunca duravam muito, pois
sua moral não lhe permitia que sua própria consciência fosse desmascarada pelos
caminhos usados para a busca do verdadeiro.
Não tolerando mais os discursos moralistas de seu pai, que tiravam a
harmonia e o equilíbrio de seus bons dias, pediu que fosse enviada para um
colégio interno em um lugar distante e de lá partiu para a faculdade e nunca mais
voltou para casa, exceto no natal de todo ano.
E
por fim, falaremos de alguém ainda não mencionado. A mãe das crianças e a
esposa de Josivaldo. Era uma verdadeira parceira, até mesmo de seus ideais e
idéias, mas possuía sua visão de relacionamento matrimonial baseado em
princípios feministas e modernos de valor igual entre os sexos, compreensão
emocional, apoio afetivo, interação transparente e auto-esforço para melhoria
do relacionamento constante em nome do Amor. Josivaldo por sua vez era o que
poderíamos chamar de brucutu á moda antiga. Acreditava na superioridade dos
homens e no papel provedor do macho aliado ao papel submisso e caseiro da
mulher, que cuidava da casa e dos filhos enquanto o homem estava na praça
conquistando o sustento diário. Não era aberto a terapias e dialogar em um tom
emocional não era seu forte, ou seja, discutir relacionamento. No sexo era
terrivelmente monótono, não surpreendia e não provocava desejo ardente em sua
parceira depois de vários anos, na verdade ela se considerava apenas um
depósito de esperma e um objeto de satisfação sexual do marido. Ele por sua vez
não via problemas nessa questão, pois acreditava que tudo ia normal e que o
mundo pintado por ele fazia perfeito sentido para todos. A mulher aprisionada
entre os princípios que uniam aquela relação e os seus desejos modernos
totalmente insatisfeitos entrou em uma espécie de tristeza crônica e perdeu a
graça de viver e só pode recuperar a excitação pela vida depois de perceber que
deveria romper com aquele relacionamento que já beirava os 30 anos de idade.
Enfim,
a complexidade da vida moderna era um páreo duro para a visão de mundo de um
homem como Josivaldo. Aparentemente tudo era muito tranqüilo e bem sucedido.
Seus amigos sempre falavam em como ele era um homem de bem, afortunado e
queriam até apoiá-lo na política de sua cidade nas próximas eleições, diziam
que ele tinha todas as qualidades de um homem do povo. Contudo, internamente
faltava aquele coroa experiente uma simples qualidade difícil de obter por
aqueles que se acham donos da razão: que o mundo não funcionava como fora
pintado em sua cabeça, que o outro deveria ser compreendido em sua visão de
mundo, que os tempos eram outros e as relações eram mais complexas, que se quer
viver em uma visão de mundo fechada, ou seja muito rico, do tipo milionário,
para ser egocêntrico e conquistar todos pelo dinheiro ou esteja preparado para
não ter o diferente ao seu lado. Pobre do Josivaldo que tinha uma família
diferente, afinal quando o diferente não está em nossa casa, não importa.
Rodrigo Mascarenhas
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