Trabalho de Monografia cumprindo às exigências de formação no curso de Bacharel em Ciências Teológicas, André Francisco, Pindamonhangaba, 2011, cap 2.1. Monografia "Escola Dominical: uma proposta de resgate de seu sistema original sob a perspectiva de Robert Raikes"
1. Os problemas sociais existentes na
Inglaterra do século 18 eram uma realidade patente, tanto para o governo quanto
para a população. Esses problemas, como já mencionados, acabavam atingindo todas
as classes sociais, tanto as desfavorecidas quanto às abastadas financeiramente
(MARTINS, 2008). No que se refere à condição de vida precária das famílias daquele
contexto, também está incluída a dificuldade que havia de proporcionar-se
educação às crianças. Essa falta de educação obstaculizava, de certa forma, as
mudanças na sociedade.
Além da falta de educação, a pobreza
fazia parte da realidade de muita gente. Como já abordado anteriormente, grande
parte das pessoas que se moviam em direção às cidades industrializadas não
conseguia se estabelecer financeiramente para desfrutar de uma vida agradável.
Assim, na maioria dos casos, as famílias eram pobres, sem nenhuma condição de
mudarem de classe social por meio de seus próprios esforços.
Diante desse contexto, algumas
pessoas se propuseram a desenvolver um serviço filantrópico para possíveis
mudanças sociais. Entre os nomes citados estão o de Robert Owen e Robert
Raikes. O primeiro intentou estabelecer-se como um patrão diferente dos demais
do contexto em que vivia. Possibilitou mudanças na vida de seus empregados,
tratando-os humanitária e dignamente. O segundo, Robert Raikes, através de seu
projeto de Escola Dominical, se tornou um dos grandes nomes da história quanto
à dedicação pela criação de uma sociedade mais digna. Como expõe Cope (1911, p.
55, tradução nossa)
O
filantropo jornalista [Robert Raikes] descobriu por si mesmo a grande
importância da educação para todos que, ainda hoje [1911], se mantêm como um
sistema. Ele reconheceu que todas as pessoas têm o direito de receber
conhecimento sobre os fatos mais marcantes da vida. E isto, para que tenham uma
visão mais ampla da vida, para que a possam ver como um todo, para que possam
aprender a arte do bem viver em comunidade. Também, para que cheguem ao máximo
de suas próprias capacidades, transformando-se assim em possuidores de grandes
ideais. Da mesma maneira, que eles são capazes de prestar os seus serviços de
maneira completa e eficiente para os seus dias.
Biografia de Raikes e a Gloucester de seu tempo
2. Robert Raikes nasceu no dia 14 de
setembro de 1736 na cidade de Gloucester na Inglaterra (POWER, 1863). Ele teve
uma infância confortável e tranquila e “deve ter, de alguma maneira, recebido
uma boa educação enquanto criança” (AMERICAN BAPTIST PUBLICATION SOCIETY, 1859,
p. 36, tradução nossa). Sua família
era próspera, por ser proprietária de um jornal em sua cidade natal, o Gloucester Journal. Depois da morte de
seu pai no dia 7 de setembro de 1757, Robert Raikes se tornou “sozinho o
proprietário e editor do Gloucester
Journal” (GREGORY, 1881, p. 13, tradução
nossa, grifo do autor).
Provavelmente, Raikes estudou por um
tempo na universidade de Cambrigde, pois “sua ocupação como editor do Gloucester Journal e sua tão clara habilidade
literária prova isto” (COPE, 1911, p. 47, tradução
nossa, grifo do autor). No
entanto, é provável que ele “nunca tenha se graduado em algum curso específico,
devido sua ocupação com os negócios” (POWER, 1863, p. 31, tradução nossa). Seu pai também tinha esse mesmo nome, sendo que
sua mãe se chamava Mary Drew.
Tendo Robert Raikes, após a morte de
seu pai, assumido a direção do Gloucester Journal, por causa de sua ampla
herança que recebeu, muitos dos habitantes de Gloucester pensavam que ele
“andava pela cidade com certo ar de patronato, a qual alguns pobres chamavam de
“cheio de estilo” e outros de “presunçoso” e “ostentoso”. (HARRIS, 1899, p. 48,
tradução nossa, grifo do autor). Esse preconceito que as pessoas tinham não é
comumente aceito, pela maioria dos historiadores que escrevem sobre Raikes,
como condizente com a realidade dos fatos. Sendo que, como Power afirma (1863,
p. 31, tradução nossa),
Quando os homens são
bem sucedidos em seus negócios diários, ou herdam alguma fortuna de seus
parentes, eles são naturalmente inclinados a buscar suas próprias felicidades
através de paixões e desejos egoístas. Assim, afastam as suas mentes e corações
das necessidades das pessoas que não possuem o mesmo favorecimento material.
Mas as ações de Robert Raikes nos convencem que esses sentimentos egoístas não
o dominavam, mas que sentimentos nobres dirigiram os seus passos.
A ideia de que Raikes era uma pessoa
presunçosa, por causa de seu favorecimento financeiro, pode ter surgido por
causa das condições sociais da maioria dos moradores de Gloucester. Essa cidade
“era um pólo industrial têxtil, com grandes fábricas” (ARAÚJO; SILVA, 2010, p.
82). Devido ao grande número de fábricas e o consequente urbanismo sem
planejamento, Gloucester era uma urbe “não pavimentada, sem saneamento básico,
nojenta e, por conseguinte, insalubre e incomoda.” (GREGORY, 1881, p. 3, tradução nossa). Além das dificuldades
de sanidade, havia sérios transtornos públicos envolvendo grande parte dos
moradores. Alto índice de pobreza e falta de comportamentos civilizados. “As
ruas eram repletas de malandros e vagabundos que ficavam, semanalmente, por
toda a cidade, machucando-se a si mesmos com brigas. A religiosidade estava em
baixa.” (GREGORY, 1881, p. 3, 4, tradução
nossa).
Essa situação calamitosa de
Gloucester não se diferenciava significadamente de outros lugares da Inglaterra
no século 18. Pois, como já exposto anteriormente, a Revolução Industrial
trouxe sérias transformações na sociedade inglesa em sentido geral, como
também, até mesmo, em outros países. Conforme destaca Martins (2008, p. 5, tradução nossa),
Verificou-se, de fato,
uma profunda alteração da sociedade, principalmente entre os finais do século
XVIII e o início do XIX, que iria ter consequências importantíssimas para o
destino das diversas comunidades, a nível mundial, direta ou indiretamente
envolvida no processo da industrialização.
Outro problema que afetava
Gloucester era seu alto índice de criminalidade. Por causa disso, “havia duas
prisões em Gloucester, uma para o condado[1] outra para a cidade.
(GREGORY, 1881, p. 22, tradução nossa).
A primeira funcionava no antigo castelo feudal, quando deu lugar, em 1791,
nesta mesma área, a uma nova construção. A segunda “situava-se na Rua Southgate, tendo sido erguida em 1782”
(BOND, 1848, p. 40, tradução nossa, grifo nosso). A prisão do condado, até
a sua reconstrução, tinha uma condição precária de funcionamento.
Gregory mostra qual era a situação desse
lugar (1881, p. 23, tradução nossa),
Apesar de
aproximadamente quarenta a sessenta pessoas serem presas todas as semanas, só
havia um juiz para julgar-lhes as causas. Os quartos da prisão, tanto os dos
homens, quanto os das mulheres criminosos, mediam apenas três metros e sessenta
centímetros de comprimento por três metros e meio de largura. As pessoas presas
por causa de dívidas, das quais sempre havia grande número, eram amontoadas em
uma cova de quatro metros e vinte centímetros por três metros e meio, sem
janelas, e sem condição de até mesmo receberem luz e ar puro por qualquer
possível buraco na parede de gesso. Na parte superior do prédio havia uma sala
estreita e escura denominada “o principal”, em que os homens com maiores
delitos eram mantidos durante a noite. O chão desse lugar era tão precário que
sua sujeira não poderia ser removida. Em frente à escada que levava a esse
quarto existiam montanhas de excremento. Devido à completa ausência de todas as
medidas sanitárias, todo o lugar tinha um fedor constante, com inúmeras
possibilidades de infecção que consequentemente resultavam em constantes
mortes.
Essa prisão, mesmo contendo um
estado estrutural precário, recebia a presença de algumas pessoas que tinham
espírito filantrópico. Aqui, destaca-se o nome de Robert Raikes que tomava a
iniciativa de lutar pela transformação da vida das pessoas que necessitavam de
ajuda política e humanitária.
3. Robert Raikes e a filantropia na prisão
Diante do contexto apresentado
anteriormente, tratando-se das condições estruturais, principalmente, da prisão
do condado em Gloucester, torna-se difícil conceber a ideia que alguém
possuísse disposição para lutar em favor de melhorias na vida dos presos ali
detidos. Porém, nota-se que Robert Raikes se propunha em ajudar essas pessoas,
visando a promover reintegração social de cada uma, fazendo uso da educação e
da prestação social. Assim, entende-se que a Escola Dominical que, sob a
perspectiva de Raikes, tinha um caráter mais filantrópico do que
necessariamente religioso, possui suas raízes históricas nesse próprio empenho
que visava à transformação dos detentos. Como destaca Gregory (1881, p. 22, tradução nossa),
Pode ser dito que, o
sistema de Escola Dominical, com que o nome de Robert Raikes será sempre
inseparavelmente conectado, teve sua origem nas prisões de Gloucester. Foi lá que
ele percebeu a direta conexão entre ignorância e criminalidade, e lá que ele
viu a futilidade de se punir atos ilícitos sem remover aquilo que os ocasionam.
Robert Raikes, como dito
anteriormente, era editor e proprietário do Gloucester Journal, porém, além
dessa atividade, segundo Araújo e Silva, [2]
era capelão num
presídio [do condado] por mais de 15 anos, e incansavelmente comprometido com a
causa social e humana utilizava seu editorial dos domingos para chamar atenção
das autoridades para a necessidade de uma reforma no sistema presidiário.
Raikes tinha um espírito
filantrópico e acreditava ser possível ocorrer mudança de vida até mesmo dos
excluídos presos de Gloucester. Diante disso, fazia uso de “sua influência
pessoal e de sua propriedade [Gloucester Journal]” (POWER, 1863, p. 33, tradução nossa) para motivar às
autoridades governamentais a se proporem, com investimentos e atenção, a ajudar
os detidos. Na ideia de Raikes, a educação era a maneira pela qual aqueles
presos poderiam ser reintegrados, de modo digno, à sociedade. Por isso, ele
afirmava que “os presidiários deveriam receber uma educação formal” [3].
Araújo e Silva [4] destacam, de maneira clara,
qual o tipo de educação que Raikes sugestionava e o que esperava que
acontecesse com os educados,
Sua sugestão para a
reabilitação daqueles homens constava de cursos profissionalizantes, oficinas
de trabalho, aulas de alfabetização e de cidadania, palestras e orientações.
Assim, eles aprenderiam a fazer algo que lhes desse prazer e com uma formação
profissional; ao saírem da prisão, poderiam ter empregos, viver honestamente e
ser cidadãos de valor na sociedade e não retornariam a praticar delitos.
Percebe-se nas palavras de Raikes,
escritas em uma de suas publicações do Gloucester Journal, que seu propósito
entre os presos era possibilitar-lhes meios de sobrevivência depois que fossem libertos.
A falta de boas condições de trabalho e o consequente desprovimento de
sustentabilidade própria seriam realidades na vida dessas pessoas se, ao saírem
da prisão, não tivessem oportunidades de prestar serviços úteis para o meio em
que viveriam.
Os presos confinados
no castelo [prisão do condado], sem subsídios ou meios de subsistência pelo
próprio trabalho, muito humildemente suplicam alguma ajuda, por piedade,
daqueles que podem se compadecer de suas misérias. Os favores que eles, até
agora, têm recebido serão lembrados sempre com gratidão (RAIKES, 1768 apud GREGORY, 1881, p. 25, tradução nossa).
A ideia de Raikes, quanto à
reintegração social dos presos de Gloucester, não teve os resultados esperados
por dois aspectos principais. Em primeiro lugar, as solicitações de ajuda eram
atendidas por poucas pessoas, tendo em destaque o nome de John Howard e Rev.
Samuel Glasse (GREGORY, 1881). Em segundo lugar, ele percebeu que, mesmo os
presos demonstrando certas mudanças de conduta enquanto o trabalho era
realizado, a maioria deles, ao serem soltos, cometiam os mesmos delitos
anteriores. (ARAÚJO; SILVA, 2010). Tanto esses resultados frustrantes como
também alguns outros ocorridos, a serem expostos, cooperaram para a criação da
Escola Dominical.
[2] ARAÚJO,
Berenice; SILVA, Luzelucia. Escola
Dominical: A Formação Integral do Cristão. 2ª edição. Pindamonhangaba.
IBAD, 2010, p. 82
[3] Id. 2010
[4] Id. 2010
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