1.
O conceito grego de alma esfaleceu-se profundamente com René
Descartes. A partir de uma visão inovadora e mecanicista do mundo,
fruto de projetos anteriores como de Galileu, talvez pela forma do
filósofo lidar com a superioridade da mente em relação à
simplesmente máquina do corpo, propôs uma nova maneira- ou apenas o
despertamento-, de se tentar entender a linha tênue entre o sentido
de cognição do mundo aparentemente real (cogito, ergo sum) e do eu
existencial que surgiria posteriormente na discussão moderna, pouco menos apenas metafísica. A proposta das máquinas
naturalmente ligadas arbitrariamente como peças de uma engrenagem
completa reduziu a diferença básica que reinou durante séculos de
Era Platônica, o dicotomismo puro entre alma e corpo, ideal e real.
2.
Platão (antes Heráclito e Parmênides, embrionariamente; com
aprimoramentos necessários) foi comentado por séculos. A extensão
sobreviveu principalmente pela cristianização da metodologia
filosófica desde primórdios depois de Cristo. Cada comunidade
religiosa “ocidentalizada”, valendo-se, não só, de escolas de
Atenas, mas do Norte da África, e a partir do uso do latim,
reproduzia a defesa do sentido da eternidade do metafísico humano e
da finitude daquilo que “material humano”. Distinção que nutriu
basicamente a concepção da tripartição defendida pelos pais da
igreja,-Agostinho em destaque- e escolásticos com seus motores
naturais e imutáveis; Tomás de Áquino. Energia canalizada não só
para a discussão da alma, mas trindade e formas de governo eclesial
e até do Estado (Montesquieu é possível que não, a partir
exclusivamente dessa fonte, pelo menos, pois trataria do social sem
espiritualização).
3.
Intuição, raciocínio, memória, cosmovisão, o natural, o além do
físico, as ideias, eterno e finito, perfeito e imperfeito fazem
parte do arcabouço completo das hipóteses das quais o filósofo se
valeu especialmente em “A República” para dicotomizar o
indivíduo humano e valorar de formas distintas coisas que fazem
parte do mesmo ente. Inimaginável pensar, para ele, que ideias e a
vida cotidiana poderiam surgir do mesmo conjunto básico originário.
O que é sensível deveria estar ao alcance do natural, do mundo
tangível, da estrutura menos complexa e mais facilmente assistida.
Já no outro espectro, muito além do comum, as ideias com suas
representações perfeitas e completas daquilo que, aqui, apenas se
tem uma especulação com sombras. Em “O Mito da Caverna”,
dualiza essas realidades a partir da alegorização daquilo que
propunha como “transcender o plano mutável dos objetos físicos”
a fim de atingir a realidade sem cor, impalpável, guiada pela
inteligência.
4.
Na esteira desse sentido enraiza-se brilhantemente o platonismo de
Paulo de Tarso na instituição que reproduziria por séculos o
pensamento do dual,-claro que com abrangência também ao campo
tricotômico a fim de necessariamente listar o tema “espírito”.
Importante destaque por se referir não apenas à hipótese do
conhecimento humano e do além, objeto primordial da análise
helênica; mas religiosa, conquanto tratassem de precedentes que
faziam parte também de outra cultura: a dos hebreus. Alma, nesse
momento, aprimorou-se até atingir níveis de contato direto com o
sagrado, dentro da perspectiva litúrgica. Caso o corpo, que, segundo
a escola grega em foco, é o instrumento do contato horizontal com a
realidade, fosse estimado a participar de laços mais puro e eterno
ao divino no pós-morte, deveria ser em uma estrutura robustecida e
nova, menos frágil e limitada: o “novo corpo”.
5.
O aprimoramento posterior dentro da igreja cristã apenas customizou
a ideia de alma deixando-a mais abrangente e complexa. Detalhes a
mais foram fervorosamente alvos de debate durante todo esse tempo,
não se eliminando Platão, Paulo e os que vieram com o tempo. No
mecanicismo, as bases da discussão foram modificadas, pois a
abordagem já não se limitava unicamente à especulação livre,
porém às metodologias novas as quais tornar-se-iam colunas do
cientificismo vindouro. O conceito de alma esfaleceu-se a partir de
Descartes que é um dos principais defensores, e até hoje nunca mais
foi tratado apenas a partir do mundo das ideias e sua relação com o
natural, como também do eu com o divino.
André Francisco
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