Seguindo em frente, entrei por uma rua que dava de frente pra uma
peixaria japonesa, daquelas que tem 50 anos e ainda funcionam da mesma forma. O
dia estava bonito, mesmo nublado e podia ver ao fundo os pardais ecoando seus
pequenos cantos, recepcionando o sol, que já lançava seus primeiros raios no
horizonte. Eram 06:00 da manhã e eu estava em um mercado público. Não dormira
em casa, pois me achava meio sem rumo para voltar à tranqüilidade do cotidiano,
queria por um momento parar e refletir a respeito dos últimos acontecimentos
desgastantes. Digo isso porque eu não tinha a menor idéia da proporção que a
briga entre eu e meu mentor iria causar no nosso relacionamento de mentor e
mentoreado. Meses atrás estava totalmente perdido e absorto em minhas idéias
delirantes. Perguntava para mim mesmo se era correto pensar assim e onde
poderia alcançar uma base digna e sensata para todos aqueles projetos e
planejamentos aliados com ideais utópicos e sonhadores. Mas naquele dia quanto
sai de casa, deparei-me com um amigo de longas datas, daqueles que são criados
juntos com a gente, e contei a ele tudo o que se passava, mesmo achando que ele
não poderia entender, mas que ouviria com consideração. O Júnior olhou pra mim
e disse “Cara tudo isso que você me falou é demais, nunca passei por uma
situação dessas, mas sei de alguém que poderia te ajudar, ele tem muita
experiência de vida”. E foi assim que Júnior me apresentou Alessandro. Quando
vi aquele cara de 1,60 m, cabelos pretos e grandes estilo Pepeu Gomes, roupas
pretas (autentico roqueiro fanático), várias tatuagens pelos braços e pescoço e
aquele coturno grotesco, pensei comigo mesmo – Em que diabos esse cara vai me
ajudar? - Parecia que acabou de fumar um baseado e sair de um transe Led
Zeppleiano enquanto ainda se acostumava com a luz do sol, um ser tipicamente
noturno. Contudo, como eu havia vivido algumas situações e conhecia vários
tipos de pessoas e grupos do qual participei, decidir dar aquele esquisito
rapaz o benefício da duvida. Ainda acreditava que as roupas apesar de falarem
muito a respeito de uma pessoa, não as definem por completo e, além disso, era
apenas uma conversa. Depois da devida apresentação,
Júnior se despediu, pois iria para sua aula de canto, e fomos então para uma
lanchonete. Alessandro pediu uma cerveja e eu uma água com gás. Ficamos ali de
boa, nos conhecendo e conversando sobre nossas preferências musicais, enquanto
os pedestres passavam, a maioria voltando de seus trabalhos. De repente ele me
pergunta “E então Robson, parece que viemos aqui com um objetivo, não quero
fugir dele, então me diga: o que está se passando com você?”. Fiquei nervoso,
tinha sido bastante direto, como uma terapia e tenho que dizer, odeio terapias.
Estava me sentindo como uma menina que abrira as pernas á troca de nada e logo
após se sentira usada, é meio estranho, mas deve ser a mesma situação. Contudo
tentei lembrar de que fui eu que quis me encontrar com o dito cujo que bebia á
goles sua cerveja e já estava na terceira ou quarta lata de Heineken. Parei,
respirei, olhei para o lado e para cima, refleti, pensei um pouco e disse:
- Acho que tenho
mania de grandeza, sou megalomaníaco, tenho tido planos e sonhos para mim mesmo
que até as pessoas mais loucas, ririam da minha cara.
- Acho então que
ainda não conhece a pessoa mais louca que existe – Disse Alessandro
- Talvez não,
mas mesmo assim penso que de acordo a minha realidade em detrimento do que eu
penso, é demais para mim.
- Entendo. Mas você
tem se esforçado arduamente pra conseguir seus objetivos ditos inalcançados?
Respondi sim, ainda meio pensativo na pergunta.
- Então está no
caminho certo, pois para grandes feitos é preciso grandes sacrifícios ou um dom
raro, e isso não é clichê de livro de auto ajuda meu amigo.
- Mas mesmo
assim, sinto que por mais sacrifícios que eu faça e por mais que tente me
superar, ninguém olha pra mim ou me oferece uma oportunidade de reconhecimento.
- Então ai entra
outro ingrediente substancial, disse Alessandro.
- O que?
Perguntei.
- A Fé. Uma
capacidade inelutável de se agarrar o inexistente pela crença de que um dia irá
existir, mesmo que todas as expectativas digam ao contrário.
- Você acredita
nisso? Retruquei.
- Assim como a
luz do sol, como o vento nas montanhas, como a flor da primavera e o choro da
criança que acabou de nascer, como as coisas naturais e humanas que não deixam de
ser mágicas, graciosas e encantadoras mesmo sendo materiais, naturais e comuns.
Houve uma pausa na conversa por alguns minutos
- A fé, Júnior
(Continuou), não é propriedade exclusiva das religiões, sejam lá quais forem
elas, monoteístas, politeístas, orientais, ocidentais. É na verdade o combustível
das crenças dos grandes homens. Sem fé, você nunca irá romper a sua realidade,
pois naturalmente falando você está condicionado a pensar que sempre será o
mesmo, até o fim de sua vida.
- É possível
então? Perguntei, pensando que se tratava de uma pergunta descabida, já que
saberia a resposta, mas gostaria de ouvir uma confirmação de sua firme
convicção.
- Sim, é possível.
Leia e veja as grandes biografias. São umas combinações de Fé, Talento, Esforço
e Persistência. E a fé sempre em primeiro lugar.
- por quê? Disse
eu
- Porque para se
pensar alem de sua própria realidade é preciso fé, e esse pensamento é primeiro passo para grandes conquistas.
- Entendo. Mas o
que você entende de grandes conquistas?
- Não muito, mas
poderia te falar de algumas.
- Conte-me!
- Até contaria,
mas mal nos conhecemos e tenho um compromisso daqui há pouco, creio que seria
necessário mais alguns encontros entre nós, podíamos ser bons amigos.
- É sim, podíamos.
Também curto Rock and Roll
Man!
Demos uma risada, nos despedimos e marcamos de irmos tomar um chope na
outra semana, em um bar universitário perto da estação de metrô. Observei
Alessandro ir embora, sinalizando para um ônibus, enquanto ainda absorto em
nossa conversa, analisava mais uma vez aquele estranho camarada, que vestia
estranhas roupas e parecia ser um bom conselheiro, contudo fiquei com um pé atrás
e curioso, ainda queria ouvir suas historias para saber se seus conselhos
tinham fundamento ou eram apenas frases de efeito retiradas de um livro barato
duma banca de esquina.
Os dias se passaram e eu ainda com aquela conversa na cabeça decidi ligar
para o Alessandro e reforçar o compromisso, afinal já era segunda-feira e marcarmos
de sair na quarta. Liguei, no terceiro toque ele atendeu:
- Alô!
- Alessandro?
- Sim, quem fala?
- É o Júnior cara, como vai?!
- Grande Júnior! Vou bem cara e você?
- Bem, na mesma... Na verdade liguei para reforçar nosso happy hour na
quarta, lembra?
- Claro cara, tudo certo, onde vai
ser mesmo?
- lá no Paradise, aquele bar universitário perto do metrô, na nossa zona.
- Ok, nos vemos lá as 19:30 então.
- Tudo certo, Abraço.
- Abraço.
Na quarta cheguei ao Paradise por volta das 19:00 hrs, pedi uma breja e
fiquei de boa, relaxando, enquanto esperava o Alessandro chegar. Passaram de
19:30 e nada dele chegar. 20:00 horas e nada. 20:20 e nada. Então liguei, mas
deu caixa postal. Esperei até as 20:40, estávamos em uma cidade grande,
imprevistos fazem parte do cotidiano, e liguei novamente, mais uma vez na caixa
postal. Fiquei até as 21 horas, como não havia nenhum sinal dele, fui embora,
mas não estava chateado, afinal era um bate papo sem pretensões pragmáticas e
eu já estava com um pouco de álcool no sangue, me sentindo levemente tranqüilo e
conclui que tinha sido bom sair de casa.
No outro dia liguei para Robson e perguntei se ele tinha falado com o
Alessandro ou sabia do seu paradeiro. O Robson parou, respirou e me disse com
um ar de profunda tristeza “Você não sabe?!” eu disse que não sabia de nada,
não que ele havia me contado, pois conversamos pouco, então ele me disse a pior
noticia que eu nem poderia imaginar “Júnior, o Alessandro morreu, foi
atropelado por um ônibus em alta velocidade enquanto atravessava vagarosamente
a rua”. Entrei em estado de choque, o telefone caiu de minhas mãos, não
entendia minha reação, o porquê dela, então cai no chão e comecei a chorar e
fiquei ali horas e horas, relembrando de todos os aspectos, singularidades e
detalhes de minha única e primeira e última conversa com aquele roqueiro
estranho de coturnos pretos e sábias filosofias, até pegar no sono.
Algumas semanas depois de seu falecimento e logo após de todo aquele
luto, quis saber mais a respeito da historia daquela figura excêntrica, pois me
espantara a multidão de pessoas em seu velório e todas as mensagens que vinham
de lugares diversos, e muitas até de outros países. Soube então que Alessandro
era um famoso guitarrista de uma banda de Metal dos anos 90 que havia perdido
os movimentos dos dedos e doado toda sua fortuna para uma ONG que cuidava de
crianças com câncer por todo o nosso país e que depois de tal fatalidade,
preferiu o anonimato e a solidão, como forma de cultivar valores do cotidiano,
depois de ter uma vida de astro autodestrutiva.
Quanto a mim, estou relatando esses fatos 22 anos após tudo acontecer,
sentado em uma cadeira de balanço em frente ao lago de uma casa num sítio muito
tranqüilo, enquanto aproveito minhas férias relâmpagos acabarem, para novamente
voltar ao Senado, onde luto pela aprovação da lei que dá direito a educação
integral á todas as crianças em nosso país, para permitir que seus sonhos
fiquem mais próximos de se tornarem realidade. Daqui, dois anos concorrerei à
presidência nacional e até lá espero que a minha fé ainda esteja fortalecida.
Rodrigo Mascarenhas
Rodrigo Mascarenhas
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