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segunda-feira, 3 de junho de 2019

Adão andrógino e o campo de pesquisa da teologia de gênero

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1. A discussão de gênero está acalorada atualmente em qualquer país. No Brasil não é diferente. No ambiente teológico, há certa tendência em se buscar fazer exegese e hermenêutica de textos da Bíblia Hebraica baseando-se na busca por detalhes que mostrem em que sentido anacrônico os autores sagrados podem ter se revelado ideologicamente nessa temática. 

2. Hoje em dia, muito material tem sido produzido de acordo com esse pressuposto hipotético de que, já nos textos antigos, havia certa motivação em se garantir a diferenciação de identidade sexual e atributos que lhes são peculiares. 

3. Nunca foi novidade para leituras ávidas dos textos judaicos de que o aspecto patriarcal sempre esteve presente nas entrelinhas. Logicamente, fazendo valer todo aparato cultural que perdurou por milênios em grande parte do mundo, principalmente do Médio Oriente. Até hoje vislumbra-se tal realidade em alguns países que lidam com esse aspecto de maneira mais extrema, como Arábia Saudita, Afeganistão, Paquistão, Somália, e muitos outros. 

4. É importante notar que a partir de interpretações de gênero no texto hebraico e da história, facilita-se a compreensão ou polemiza-se mais o assunto. Abaixo, vê-se um texto baseado nessa prévia abordagem e que possui, sem dúvidas, um campo importante de pesquisa atual em se tratando de sexualidade, patriarcado, gênero, moral, judaísmo, Bíblia, entre outros.


Adão Andrógino

"Segundo a tradição cabalística, os anjos não têm sexo. E como os homens foram feitos à imagem e semelhança dos anjos, o homem também, quando foi feito, era um andrógino.
Dessa forma, a Bíllia, na verdade, quando se refere à criação do homem, fala de dois momentos dessa criação: o primeiro. quando os Elohins fazem o homem, moldando-o do barro da terra (Gênesis, 1:27 , e depois, quando ele se torna sexuado, ao ter separado de si a sua parte feminina (Gênesis,2;22).  Isso quer dizer que o ser humano foi feito primeiramente um ser andrógino. Por isso é que a Bíblia diz que “entre os seres criados por Deus, não se achava para o homem adjutório semelhante a ele” e por isso foi preciso que se fizesse a mulher.
A androginia é uma qualidade dos deuses, que foi transmitida aos homens. A ideia de que a humanidade, em seus princípios, era andrógina,  é um árquétipo compartilhado pela maioria das tradições antigas. Vamos encontrá-la entre os hindús, com o mito do deus Shiva, que era masculino e feminino e só se tornou sexuado quando se uniu a à deusa Parvati, a Eva védica. Entre os gregos, Platão, em seu famoso livro, "O Banquete", fala de  uma criatura mítica proto-humana, que congregava no próprio corpo três naturezas distintas, a masculina , a feminina e uma natureza masculina/feminina. Segundo Platão havia, no início, três seres: Andross, Gynos e Androgynos, sendo Andros uma entidade masculina composta de oito membros e duas cabeças, ambas masculinas, Gynos, a entidade feminina com características semelhantes, e Androgynos, composto por metade masculina, metade feminina. Esse ser híbrido, de composição bizarra e monstruosa não agradava aos deuses, por que sendo capaz de reproduzir por si mesmo, os afrontava. Essa foi a razão pela qual Zeus, o pai dos deuses,  resolveu separá-lo em dois, para que se tornassem menos poderosos. Assim, Andros foi separado em dois homens, que embora tivessem dois corpos, tinham uma única alma, e assim eram atraídos um pelo outro. Nasceu daí o homossexualismo, comportamento que na antiga Grécia era muito difundido na classe alta e entre os intelectuais gregos.  A mesma coisa aconteceu com  Gynos, a parte feminina, que deu origem às lésbicas, prática que entre as mulheres gregas também era muito difundida.
 Já Androgynos, o ser que enfeixava em si mesmo os dois sexos, deu origem  aos heterossexuais.
Na Grécia havia também a lenda de Hermafrodita, a divindade grega híbrida, filho de Hermes e Afrodite, que era muito conhecida pela sua beleza extrema. A ninfa aquática Salmacis apaixonou-se por ela, mas não foi correspondida. Porém, sua paixão era tão grande que ela implorou aos deuses que a unissem ao corpo do jovem deus para sempre, ao que os deuses acederam. Assim, quem tomasse banho na fonte de Salmacis se tornava hermafrodita.
Nos países nórdicos existe a lenda de Imir, o Adão nórdico, de cujo suor nasceu um casal macho/fêmea de gigantes, o qual deu origem á raça humana.
A Teosofia, diiciplina inaugurada por Helena Blavastsky, adotou a teoria segundo a qual a raça humana era, na origem, andrógina. Essa teoria diz que, no princípio, os seres humanos manifestaram-se na terra como projeções da Vontade Absoluta. Isso aconteceu na aurora dos tempos, e essas primeiras manifestações da vida humana foram os Manus-Sementes, também chamados de Pitris.
Analogamente ao que ensina a Cabala mística, que sustenta serem os homens uma projeção do “homem do céu”, chamado Adão Kadmo(ou Kadmon), a teosofia ensina que a  primeira raça humana foi a dos Nascidos-Por-Si-Mesmos, seres que eram sombras de seus "progenitores" celestes, projetadas na terra. Esses seres anteriores não tinham mente, inteligência ou vontade.
Dessa primeira raça surgiu a segunda, nascidos do suor dela., Estes eram os “Sem-Ossos”, porém já dotados do germe da inteligência. A terceira raça humana foi a dos andróginos, chamados Duplos. Desta última surgiu a quarta raça, a adâmica, que é raça humana atual.[1]
Assim, a metáfora bíblica, segundo a qual Adão foi feito como um ser andrógino e somente depois é que teve os sexos separados para poder dar início á atual raça humana, não é, como se pode perceber, uma idéia originária da tradição judaico-cristã. Ela existe em praticamente todas as tradições antigas.
A emasculação, nesse caso, sempre aparece correlata a uma rebelião dos seres criados, contra o seu Criador. É essa rebelião que a Bíblia se refere quando fala da Rebelião dos Anjos e sua expulsão para a terra, onde eles se tornaram sexuados e, tomando por esposas as filhas dos homens, geraram a raça humana tal qual a conhecemos hoje. Por isso a  tradição cultivada pelos místicos cabalistas, gnósticos e teosofistas, de que o homem da terra (Adão) foi feito à imagem e semelhança, não de Deus, mas sim do “homem do céu”, (Adão Kadmon).
Essa idéia é patente tanto nas lendas gregas, onde traços andróginos podem ser observados nos deuses Adônis, Cibele, Cástor e Pólux, quanto nas lendas japonesas,onde Izanagi e Izanami, o Adão e Eva japoneses, também foram criados a partir de um ser andrógino.
Na própria doutrina judaica, que adaptou esse mito á sua sociologia patriarcal, observa-se que há uma necessidade de distinguir os sexos, aceitando, nesse caso, que o ser humano congrega em si as duas naturezas, tanto a masculina quanto a feminina. É nessa idéia que se apóia, por exemplo, a tradição da circuncisão do macho, ritual que se destina a eliminar a presença feminina na sua individualidade, cortando o seu prepúcio. E em várias tribos orientais e africanas, existe o ritual da excisão, que é a operação do clitóris da mulher, para com isso eliminar nela os resquícios do órgão viril.
Os comentários rabínicos evocam o mito da androginia em vários midraschins. [2]Neles, as referências ao estado andrógino de Adão são várias, o que repercute também nas doutrinas componentes da gnose cristã, onde a androginia é geralmente representada como um estado inicial que deve ser reconquistado, idéia que também é patente nas doutrinas védicas, especialmente na ioga, onde o corpo humano é tratado como se fosse macho e fêmea ao mesmo tempo.
Assim, dizer – conforme o mito do Gênesis – que Eva foi tirada de uma costela de Adão significa que todo humano, no início era indiferenciado em sua origem, ou como escreve Mircea Eliade: “tornar-se macho e fêmea são expressões plásticas através das quais a linguagem se esforça em descrever a metanóia, ou seja, a conversão, a inversão total dos valores. É igualmente paradoxal ser macho e fêmea como tornar-se de novo criança, nascer novamente ou passar pela porta estreita.”[3]
É dessa  forma que a linguagem humana, muitas vezes sem recursos suficientes para explicar o que a mente não consegue entender, mas sabe existir em sua natureza, cunha metáforas e alegorias que na sua estrutura parecem poesia, mas no fundo revelam-se verdades científicas de extraordinário conteúdo."

 
[1] Helena P. Blavastsky, A Doutrina Secreta-Vol.III
[2] Comentários feitos pelos rabinos a passagens bíblicas reunidas no livro conhecido como Midrash.
[3] Mircea Eliade- "O Sagrado e o Profano: A Natureza da Religião", 1959, Londres: Harcourt Brace Jovanovich.

do livro- TESOURO DOS SÁBIOS- NO PRELO

João Anatalino. Publicado em http://www.joaoanatalino.recantodasletras.com.br/visualizar.php?idt=3994026



André Francisco

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