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quinta-feira, 31 de maio de 2012

Contribuições da Teologia de Paulo ao Pensamento Ecumênico



Para começar, gostaria de explicar para você que não é muito habituado a ouvir esse termo “ecumenismo” e se é muitas vezes de maneira equivocada ou preconceituosa (ou os dois) á respeito do assunto, vejamos então:
  • 1.      O termo “ecumene” se deriva do grego “oikoumene”, que significa “habitada”, subentendendo-se tratar da “terra”. Portanto “oikoumene” designa a terra habitada. Na raiz está à palavra “oikos” (casa). Diz respeito á nossa “casa” que é o mundo, no qual habitamos.  O sentido original de “ecumene” é de ordem geográfica, referindo-se ao espaço de vida do ser humano. É assim que aparece no A.T grego (Sl 24.1) e sobretudo no N.T (Lc 4.5; At 11.28; Rm 10.18; etc)
  • 2.      Na perspectiva cultural o mundo unido pelo helenismo, sendo que para a primeira cristandade a ecumene passa a ser vista para o campo de sua missão (Mt. 24.14). Muito em breve, porém, o adjetivo “ecumênico” seria aplicado á própria Igreja, difundida por toda a terra. Torna-se sinônimo de “Igreja toda”, isto é, “católica”, de “Igreja inteira”, “Igreja Universal”. O termo adquire significado eclesiológico.
  • 3.      Adquire uma determinada mentalidade, a saber, a da consciência da unidade em Cristo e por isso a de abertura e amplitude. Ecumene ultrapassa as fronteiras de uma instituição. Tem em vista o corpo de Cristo em sua integralidade, nos horizontes de toda a “terra habitada”. Possui proximidade ao que hoje se chama “global”.


Portanto vejamos que o termo ecumenismo não tem origem em tempos modernos, como muitos pensam, mas sim em um pensamento helenístico incorporado pela tradição judaica-cristã, especialmente no pensamento e na teologia do apóstolo Paulo.

Há muitas divergências entre as contribuições de Paulo ao pensamento cristão, alguns o consideram fomentador de uma teologia eclesiástica que se distanciou, devido a institucionalização do movimento cristão, da mensagem de Jesus, tentando solucionar problemas institucionais, interpretando a mensagem de Yeshua com acréscimos pessoais juntamente com suas influencias (influencia do pensamento helenístico e judaico), outros dizem que ele contribui de forma positiva para a formação de uma teologia que pudesse solucionar os problemas da época e fomentar doutrinas interpretativas a respeito daquilo que Cristo falou, orientando a Eclésia (Igreja).

Divergências á parte, gostaria de focar naquilo que achei interessante, primordial e bem elaborado na teologia paulina, a saber, o seu pensamento ecumênico, propostas ecumênicas, e as doutrinas que direcionam a igreja para uma união em sua casa.

1.      Sois um só em Cristo Jesus: Teologia do Batismo. O batismo, mencionado em inúmero textos do escritos paulinos se liga diretamente á unidade em Cristo. Para superar a descriminação por parte do leitor gostaria de citar um texto: “Todos vós, que fostes batizados em Cristo, vos vestistes de Cristo. Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gálatas 3,28). Essa atitude cristã de superar antagonismos tende a se estender universalmente.  Podemos pensar que o espírito cristão leva a unificar e a superar os preconceitos e as discriminações e a ver os outros solidariamente, inclusive, paritariamente, em comunhão e unidade. Por causa da unificadora vontade salvífica de Cristo ou a partir de Cristo e seu Espírito. O Batismo é um só. O Batismo une a todos os cristãos, pois ele não é institucional, mas sim um sinal de entrega á vontade de Jesus.
2.      Não haja divisões entre vós! Exortação de Paulo á unidade e á concórdia: “Eu vos exorto, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, guardai a concórdia uns com os outros, de modo não haja divisões entre vós. Sede estreitamente unidos no mesmo espírito e no mesmo modo de pensar. Com efeito, meus irmãos, pessoas da casa de Clóe me informaram de que existe rixas entre vós. Explico-me: cada um de vós diz: ‘Eu sou de Paulo!’, ou ‘Eu sou de Apolo!’, ou ‘Eu sou de Cristo!’ Cristo estaria assim dividido? (1 Coríntios 1,10 – 13). O ecumenismo quer superar discórdias, rixas e divisões, quaisquer que sejam as suas causas, tendo em vista a unidade de Cristo. Cristo é o mesmo salvador de todos.
3.      A vocação a que fostes chamados. Vocação Cristã: “Exorto-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor,a andardes de modo digno de vocação a que fostes chamados: com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando – vos uns aos outros com amor, procurando conservar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz” (Efésios 4, 1-3) desse modo, é mantendo a unidade que se realiza a vocação cristã. O ecumenismo, por sua vez, visa ao cumprimento da vocação cristã.
4.      Ceia ou Eucaristia*: “o cálice da benção, que abençoamos, não é comunhão com o sangue de cristo? O pão que partimos, não é comunhão com o corpo de Cristo? Já que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo, visto que todos participamos desse único pão” (I coríntios 10, 16-17). O Apóstolo Paulo vê no pão compartilhado um fundamento da unidade do corpo de Cristo, ao qual pertencemos.
5.      Unidade com diversidade, pelo mesmo Espírito. Corpo de Cristo: “...com o fim de preparar os santos para a obra do ministério, para que o corpo de cristo seja edificado, até que alcancemos a unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos á maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo” (Efésios 4, 12- 16) “Com efeito, o corpo é um e, não obstante, tem muitos membros, mas todos os membros do corpo, apesar de serem muitos, formam um só corpo. Assim também acontece com Cristo” (I Co 12,12). Paulo usa a imagem do corpo e nos faz pensar na relação da unidade com diversidade. É importante no campo ecumênico, falar de unidade e diversidade, de identidade e de alteridade, de diferenças que se respeitam e que se somam.
6.      Unidade da reconciliação e da paz. “Ele é a nossa paz: de ambos os povos fez um só, tendo derrubado o muro da separação e suprimido em sua carne e inimizade, [...] a fim de criar um só Homem Novo, e de reconciliar a ambos com Deus em um só corpo, por meio da Cruz”. “aprouve a Deus fazer habitar toda a Plenitude e reconciliar por ele e para ele todos os seres, os da terra e os dos céus, realizando a paz pelo sangue de sua cruz.” (Colossenses 1, 20-22). A reconciliação reúne a união de todos os povos e pessoas (não no sentido de conversão, mas sim de comunhão de fato). O ecumenismo deriva do espírito de reconciliação com Deus. Para os cristãos, a paz é dom de reconciliação, também com o perdão, um estado de novo ser, nova vida e nova relação. A paz é aspiração de todas as religiões
7.      Caridade ou Amor: “ a caridade é a plenitude de toda á Lei” (Rm 13, 10) “Revesti-vos da caridade, que é o vínculo da perfeição” (Colossenses 3,14) “ o Amor de Cristo nos impele” (2 Co 5,14) Seria impossível que o ecumenismo ficasse surdo a tanta insistência na caridade. O objetivo do ecumenismo é promover a unidade na caridade.
8.      Justificação pela Fé: (Gálatas 3,11; Rm 1,16-17) Você poderia me dizer que esse é um tema divergente entre Protestantes e Católicos, mas eu lhe venho com boas novas, a partir do evento da Declaração Comum sobre a Doutrina da Justificação entre Católicos e Luteranos em 1999, temos um só credo (Lutero Wins) a saber:
“Confessamos juntos: somente por graça, na fé na obra salvífica de Cristo,
E não por causa do nosso mérito, somos aceitos por Deus e recebemos o
Espirito Santo, que nos renova os corações e nos capacita e chama para as boas obras!”
Declaração conjunta sobre a Doutrina da Justificação, Augsburgo, 31 de outubro de 1999.
Uma contribuição ecumênica para um assunto ecumênico.

Enfim, poderia citar dezenas de textos nos quais Paulo se remete a um pensamento ecumênico, gerador de união. Não queremos aqui tratar ecumenismo, com infantilidade preconceituosa, é interessante dizer, que pelo fato dos cristãos se unir, não necessariamente abrirão mão de suas convicções doutrinárias ou suas identidades institucionais, mas deverão reconhecer que de fato, aquilo que nos une é maior que aquilo que nos separa. Estamos unidos em Cristo e ele é a cabeça, essas são nossas raízes de fé. O mundo mais do que nunca, necessita de uma união Cristã para o serviço em prol dessa grande terra habitada. Temos muito a contribuir, cabe a nós escolher se iremos ficar dentro de nossos redutos denominacionais em nome de nossas “verdades absolutas” e nossas liturgias de fé, ou se iremos nos unir, cumprindo a vontade de Jesus, em "serviço e amor" bem expressa na teologia do Apóstolo Paulo.

“Há um só Corpo e um só Espírito, assim como é uma só a esperança da vocação a que fostes chamados; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; há um só Deus e Pai de Todos, que está acima de todos, por meio de todos e em todos” Palavras de Paulo na Carta aos Efésios. Ef 4,4-6.


*Paulo não introduziu nem inventou o rito do batismo e nem a ceia. Recebeu esses conceitos e imagens do judaísmo e do helenismo e tratou deles de modo cristão.

Referências Bibliográficas:
·         Maria Teresa Cardoso de Freitas – Paulo e o Ecumenismo. Revista do Departamento de Teologia da PUC – Rio/Brasil.
·         BRAKEMEIER, GOTTFRIED. Preservando a unidade do Espirito no Vínculo da Paz. São Paulo, 2004. ASTE



RODRIGO DE BARROS MASCARENHAS





terça-feira, 29 de maio de 2012

A Manipulação da Musica



Hoje estou triste, nesses dias assim gosto de ouvir musica. Um amigo distante (daqueles que passam pela sua vida e te marcam, mas não continuam caminhando junto contigo) me disse certa vez que eu deveria curtir a minha crise, eleva –la como uma amiga, que me serve para dizer que nem tudo é perfeito, ou melhor, que nada é perfeito e o mundo não está em perfeito equilibrio, lembro –me dele dizendo que eu deveria ouvir as musicas mais melodramáticas possiveis, acho que naquele dia, ele não tinha tomado o remédio dele.

Eu considero a musica um mistério, talvez a prova de que exista algo superior que tentamos alcançar, ou talvez uma prova de que estejamos só e tentamos gritar, exprimindo nosso sufoco reprimido, enfim estes somos nós. 

De fato quando estou triste a musica me faz entrar em um profundo contato comigo mesmo (é claro que não irei entrar em um estado de subjetividade ouvindo pagode, nada contra), manipula as minhas emoções, me faz chorar, me faz lembrar de momentos que não vivi e deveria ter vivido, me faz lembrar das pessoas que estão longe e daquelas que estão perto, mas mesmo assim distantes. A musica me faz sonhar, me faz desejar aquilo que ainda não alcancei, me enche de esperança, mas ao mesmo tempo me mostra minha condição e me faz olhar para os meus pés que ainda estão colados ao chão.

Não tento de forma alguma divinizar aquela que manipula as minhas emoções ( de qualquer forma qualquer deus tem um “q” de manipulação), mas mostrar que ela é a chave de uma porta talvez do subconsciente ( talvez freud explique isso melhor), de emoções contidas, de desejo por transcedencia, de paranoia, neurose, ou até um mal arranjo com a vida, enfim, somos assim, inseguros, quando ninguem está por perto.

Talvez agora eu vá terminar de curtir a minha crise, com o meu fone de ouvido, olhando para tudo e todos com com extrema curiosidade como se tudo fosse uma fantasia, ou um sonho, daqueles que sonhamos acordados e custamos a perceber que estamos nele. Vou ver se até lá a bateria do meu celular não me faça voltar a realidade.

Um beijo,
Rodrigo de Barros Mascarenhas

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Comitês de depuração


olá pessoal! Esse texto foi retirado da coluna ilustrada da folha de são paulo, ACESSÍVEL pela internet somente por assinantes. trago para esse blog pois acho relevante as criticas do pondé para a fomentação de uma sociedade de "olhos abertos". um abraço e uma ótima semana! Rodrigo de barros mascarenhas

LUIZ FELIPE PONDÉ

Depois do dilúvio, surgem milhares de "resistentes" corajosos para colher louros que não merecem

IMAGINE PARIS entre 1940 e 1944. Ocupação nazista. Agora se pergunte: onde estavam os artistas e intelectuais, franceses ou não, naquele momento? Estes que gostam de posar de arautos da ética, da transparência e do bem.
Claro, houve a "resistência francesa". Se contarmos o número de pessoas cujos pais e avós foram da Resistência Francesa, não teremos franceses suficientes para completar a cota dos resistentes de cada família.

Provavelmente, os resistentes de fato não enchiam dois ônibus. A Resistência Francesa é um dos maiores mitos modernos, assim como a dinamarquesa, a sueca, a holandesa e outras. A falsa coragem não é privilégio de nenhum povo. A maioria conviveu com o nazismo. E conviveria de novo. Raros são os que se revoltam contra situações assim, porque simplesmente temos medo e somos seletivos em nossas prioridades morais -quando existem.

Em situações assim, pensamos primeiro no café da manhã, no almoço e na janta. No emprego, no cotidiano, nas vantagens que podemos ter, dadas as condições em que vivemos. Danem-se as vítimas.
O século 20 criou uma das maiores mentiras da humanidade: a solidariedade abstrata. Aquela que se presta direto do Facebook ou do cardápio orgânico.
Não quero dizer que "tudo bem ser covarde", desculpando nossos atos pela banalização do medo. Basta um só corajoso para a covardia revelar sua face vergonhosa. O que me espanta é a mentira moral que se conta negando a epidemia de covardia em situações como essas. E gente "chique intelectualmente" adora esse tipo de farsa.

Depois de passar o dilúvio, aí aparecem milhares de "resistentes" corajosos para colher os louros que não merecem. Onde estavam Sartre, Beauvoir, Camus, Picasso, Dalí, Mauriac, Colette, Malraux, Gide e outros luminares naqueles anos?
Se você quer saber, leia o maravilhoso livro de Alan Riding, "Paris, A Festa Continuou - A Vida Cultural durante a Ocupação Nazista, 1940-4", publicado pela Cia. das Letras. Trata-se de um painel definitivo do cenário intelectual e artístico da época, revelando detalhes do convívio "pacífico" da casta erudita francesa (e de estrangeiros que lá viviam) com a ocupação alemã.

Não se tratam dos reconhecidos fascistas e antissemitas franceses como Louis-Ferdinand Céline, o grande escritor e médico. Mas sim daqueles que ensaiaram uma resistência cultural tímida (que os alemães nunca levaram de fato a sério) a troco de permanecer vivendo suas vidas comuns de intelectuais e artistas "comprometidos com um mundo melhor" (risadas?).

Até o mercado das artes plásticas viveu um crescimento tímido, mas real, na época.
Não eram "colabôs" de fato ("colaboracionistas", termo usado na França para quem apoiou a ocupação nazista), apenas faziam teatro, escreviam livros, pintavam quadros, faziam música, bebiam vinho. E quando os Aliados libertaram a França, logo se apressaram em "provar" sua condição de membros da resistência "cuspindo" na cara de gente que, muitas vezes, os ajudou porque eram de fato "colabôs" e tinham acesso a favores nazistas.

Os "comités d' épuration" (comitês de depuração) se multiplicaram no pós-guerra e visavam estabelecer a verdade de quem era ou não "colabô".

Os alemães sabiam que, mantendo os salões, os cabarés, as "brasseries", os cafés, as livrarias, as galerias de arte e os teatros em atividade, ajudariam a manter os franceses e estrangeiros cultos "ocupados". Todo mundo sabe que o risco para regimes como o nazista está em quem pega em armas, e não em quem fala delas.

Por que a vergonha da casta artística e intelectual manchou tanto o nome da França? Porque se esperava mais deles.

Segundo Riding, o trauma francês com relação à covardia daqueles que se diziam combatentes do pensamento e da arte pode ter sido causada pelo fato de que, desde a Revolução Francesa de 1789, a França "é uma população educada para reverenciar ideias... Alguns consideram este um dos legados da revolução de 1789, a noção inebriante de que uma ideia traduzida em ação pode produzir uma mudança súbita, radical e idealizada".

Ledo engano.

ponde.folha@uol.com.br

Amigos ( Oscar Wilde )






"Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante. A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e aguentem o que há de pior em mim. Para isso, só sendo louco. Quero-os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças. Escolho meus amigos pela cara lavada e pela alma exposta. Não quero só o ombro ou o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis nem choros piedosos. Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice. Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.''

Oscar Wilde

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Não é bom que o homem esteja só, nem Eu(l)



1. Quando se começa a ler a Bíblia Hebraica, logo de início, percebe-se, com clareza, que existem duas narrações distintas da criação. Ou seja, dois pontos de vista, de autores diferentes, em épocas separadas, com pressupostos próprios, mas que objetivavam descrever "acontecimentos" incipientes, como as coisas passaram a existir. A primeira inicia  e termina de Gn 1.1 à 2.3. A segunda inicia e termina, se é que termina, (pode-se estender, com o mesmo autor, ou, pelo menos, com as mesmas fontes, até Gn 11, exceto, em alguns poucos pedaços; ex: Gn 6, diversas fontes, ou 9) de Gn 2.4 à 4.26?. 

2. Pois bem, analisar detalhadamente essas narrações não é o caso aqui. No entanto, deve-se notar que, na segunda narrativa, recheada pelo gênero mítico-literário, existe a tão celebrada frase edênica do “não é bom que o homem (אָדָ֖ם) esteja só...” 2.18. Yaveh Elohim, em uma de suas caminhadas através do jardim, percebeu que todos os animais que havia formado tinham suas “esposas” e “esposos”, estavam acompanhados, tinham com quem compartilhar suas afetividades de espécie, em questões de “multiplicação”, de coito, claramente. Porém, o pobre do אָדָ֖ם estava sozinho, somente realizando sua tarefa de nomear todas as coisas (será que ele conseguiu dar nome ao urso-polar, ou à baleia-azul? Não vem ao caso à discussão). 

3. Mas, em um lindo dia, Yaveh Elohim deu calmante a sua criatura, e fez, de sua costela, uma auxiliadora, que compartilhasse sua existência com ele. Só em questão de ressalte, essa história é um tanto quanto diferente, em se tratando de como tudo surgiu, se comparada com a de Gn 1.26, onde elohim criou, logo de cara, dois seres humanos, homem e mulher, como salientado em 1.27, e onde nenhum jardim é citado, e sim, a terra e todas os seus pecúlios naturais, Gn 1.28-29. Então, אָדָ֖ם fica satisfeito por ter alguém da mesma espécie sua אִשָּׁ֔ה, naquele lugar paradisíaco. Assim, a história se segue e todos sabemos o seu final. Contudo, há um aspecto interessante aqui. A criatura recebe sua companheira e o Criador não? Como isso se dá?

4. Em muitos momentos, Israel pensou a respeito enquanto vitalizava e normatizava sua identidade religiosa. A tão condenada, principalmente a partir da “monoteização” da religião nacional, deusa Aserá, já foi esposa de Yaveh em grande parte das histórias antigas. Antes de se falar disso, tem-se que desemaranhar algumas coisas. Primeiro, a deity El, primeiramente dos cananeus, depois incluída no panteão, então politeísta hebreu, era o deus-chefe e esposo da deusa. Reinava soberanamente, cuidava bem dos seus 70 filhos menores, inclusive (Baal, Anat, Yerak, Shapshu, etc). Esse El é o mesmo traduzido por “Altíssimo”, em versões da língua portuguesa, em textos mais remotos. O mesmo a qual Melquisedeque era sacerdote e Abrão lhe conferiu dádivas e reconheceu-o como “possuidor dos céus e da terra” (Gn 14.18-20). 

4. Tá, El, em um estágio primitivo do pensamento sagrado, distribuiu uma nação para cada um de seus filhos, destacando-se que Yaveh também estava na lista. Isso está bem nitidamente comprovado, em fonte P, no Dt 32.8-9: “Quando o Altíssimo (חֵ֤ל – El) distribuía as heranças às nações, quando dividia os filhos de Adão uns dos outros, estabeleceu os termos dos povos, conforme o número dos filhos de Israel; Porque a porção do Senhor (יְהֹוָ֖ה – Yaveh) é o seu povo; Jacó é a parte da sua herança”. Então, nessa época aí, em que El era o mandachuva, Aserá era sua esposa. Porém, entre o século VIII e VI, até V, quando Yaveh passou a ser reconhecido como o único El (Dt 6.4), sendo identificado/ assemelhado ao último referido da antiguidade (Ex 6.3), e quando as afirmações passaram a ser do tipo “fora de mim não há outro” (Is 43.11), o povo, instantaneamente, transferiu a esposa do pai para o filho. Assim, começou-se o culto à deusa, como esposa do único deus (1 Rs 14.23; 2 Rs 17.10). 

5. Nesse momento, o Yaveh lá do Éden, que passeava sozinho por entre as árvores dos campos, recebeu sua companheira e também não permaneceu alone. Essa identificação do povo com uma deusa, ou seja, entidade superior feminina, fazia-se necessária mesmo diante de uma sociedade completamente machista. Para se parar de atribuir características femininas a Yaveh, como muitos fizeram (Is 49.5; 66.7-13), nada melhor que adorar a figura de uma deusa. Alguns problemas também surgiram ao longo do tempo: quem seria a esposa de Yaveh

6. Monoteisticamente falando, não havia possibilidade da deity ter esposa, ou seja, ela tinha de ser sempre solitária. No entanto, para que a deity não ficasse só, fizeram-se arranjos. Outra esposa, com o rosto de deusa maquiado, foi lançada no panteão. Citada claramente em Provérbios 8.22- 31, em um tom de um beau roman, a sabedoria personificada, כְמָה chmh, (por que não tratar como nome próprio, à Gn 2, em que o homem foi feito Adão?) está lá, compartilhando de todas as belas criações de Yaveh (esposo?), totalmente personificado, como de costume em muitas literaturas sapienciais judaicas. Assim, percebe-se que ninguém nasceu pra ficar só, até mesmo a deity, que não nasceu. Ou seja, nem Eu(l).

André Francisco

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Deus já se mudou de casa


Deus já se mudou de casa. Na Bíbia Hebraica, podem ser vistas essas mudanças, a partir de uma simples leitura. Os hebreus, incipientes em sua formação sócio-religiosa, como também todos os adoradores de El (soberano dos cananeus, em um primeiro formato), ou, “monoteisticamente”, Yaveh, ou Yaveh Elohim, último e penúltimo, principalmente em rosto pós-exílico, nas fontes sacerdotais, P, (Dt 6.4), possuiam uma imagem de sua divindade, e lhe atribuíam lugar de descanso, e residência, habitação. Dentro do desenvolvimento da identidade religiosa de Israel, esse Deus se mudou de morada em muitos momentos, e, quase sempre, em um processo de verticalização. Ou seja, de uma esfera terrena, de baixo, para celestial, nos altos. Essas mudanças foram acompanhadas, também, da multifacetação da corporeidade da deity, e de seus atributos intrínsecos. Em Gn 1, אֱלֹהִ֑ים é o deus que anda sobre os cosmos, espionando e dando forma aos vazios e ao caos provocados pela deusa Tiamat, entidade, ou monstro dos oceanos, e das águas salgadas eternas que aparecem nas mitologias babilônicas e suméricas. Principalmente, no tão pararelo mito de Enuma Elish, o qual também descreve a formação de tudo, acordando, hipoteticamente, à tradição hebraica:“Quando no alto não se nomeava o céu, e em baixo a terra não tinha nome, do oceano primordial (Apsu), seu pai; e da tumultuosa Tiamat, a mãe de todos, suas águas se fundiam numa, e nenhum campo estava formado, nem pântanos eram vistos; quando nenhum dos deuses tinha sido chamado a existência”(tablet 1, mito de Enuma Elish, texto inicial). Semelhança com Gn 1.1-2, e 1. no aspecto de que “a oração [...] serve-lhe em termos de subordinação adverbial temporal. “No princípio do criar de elohim...” é o idiomastismo judaico para dizer “quando elohim começou a criar...”(RIBEIRO, Osvaldo).Então, tem-se de um lado, “Quando no alto não se nomeava o céu [..]” para “Quando no princípio do criar de élöhîm...”. No entanto, descrever sobre as relações entre Gn e Enuma Elish não é o foco aqui. Isso, se dará em outro post. Aqui, é perceber a diferença de morada da divindade, ao longo de alguns textos. Por exemplo, a partir de Gn 2.4 (ponto de partida da inclusão da tradição de Yaveh na narração criacional, o que passa a sempre aparecer como Yaveh élöhîm), diferente história sobre a criação, já se percebe que a divindade não é extraterrestre, somente cosmológica, ou, totalmente suprahumana. Aqui, já compartilha sua realidade com os elementos da terra, e deles, semelhante à narração da Epopeia de Gilgamesh: “A deusa então concebeu em sua mente uma imagem cuja essência era a mesma de Anu, o deus do firmamento. Ela mergulhou as mãos na água e tomou um pedaço de barro; ela o deixou cair na selva, e assim foi criado o nobre Enkidu” (SANDARS, 1992, p. 94), forma o homem no Éden. Aliás, é descrito como um “deus à agricultor” , o qual planta um jardim (Gn 2.8), e que passeia, andando através dele (3.9). Um tipo de morada mais aproximada, ou, necessária viagem cotidiana, do cosmo ao jardim, corporiamente, vale destacar. Importante de se salientar, no começo dessas duas perspectivas de criação, que a morada é primeiramente localizada além dos cosmos, e depois, entre os elementos terrenos. Sentido inverso do mais comum, de baixo para cima, que passa a ser o normal entendimento posteriormente, em datas de tradições mais tardias, ou até mesmo menos tardias (Sl 91.9). Yaveh era considerado também como morador dos desertos, principalmente palestinenses. Essa divindade, que possivelmente começou a ser cultuada dentro de pequenos clãs nômades da antiguidade, era, às vezes, localizada nesse referido lugar. Vê-se exemplos de profetas que vão até o deserto para buscar conselhos e se comunicar com Yaveh (1 Rs 19). Ou, em algumas montanhas conhecidas na topografia desértica da palestina (Sl 68.14-16; Habc 3.2). Como, também, entre outros panteões conhecidos (Sl 138.1), El? Por fim, para não estender muito, Deus já se mudou de casa, existem outras referências, e outras tantas implicações, mas, para aqui, bastam as supracitadas.
André Francisco

terça-feira, 22 de maio de 2012

Relatos de um Aspira á Revolução


“Era o ano de 1962. Um grupo de protestantes ligados a movimentos e Instituições que buscavam pensar a realidade social do nosso País e perguntavam pelo lugar dos evangélicos brasileiros nesse processo se reuniu na cidade de Recife para a célebre Conferência do Nordeste. Além de teólogos como Joaquim Beato, Zwinglio Mota, Anivaldo Padilha e João Dias de Araújo, grandes nomes da intelectualidade brasileira estavam presentes, como Gilberto Freyre e Celso Furtado. Muitos tiveram que enfrentar as armas da ditadura militar. Cinqüenta anos se passaram e nós, evangélicos brasileiros contemporâneos, nos perguntamos pelo nosso papel diante dos tremendos desafios sociais do Brasil. Palestrantes que estiveram presentes em Recife em 1962 estiveram conosco em Vitória em 2012, quando relembramos criticamente esta história.” Fonte: Faculdade Unida de Vitória (Adptação para o tempo futuro)

50 anos depois eu estava lá.

O momento foi épico, as palestras excepcionais, e o ambiente exalava uma magia histórica que só aqueles que entendiam aquele momento podiam perceber. Ali estava presente uma geração que está passando, uma geração que deixou marcas na história e que é marco para nós. Essas palavras podem parecer fantasiosas e desmerecedoras do seu crédito. Mas, caro leitor, lhe convido a entrar um pouco nesse mundo e tentar entender o que se passou.

Ouvir homens como Joaquim Beato, Rubem Alves, Anivaldo Padilha, Zwinglio Mota e João Dias de Araújo é relembrar momentos que nos deixam saudosistas de uma época que a igreja era militante na causa do Reino. Tudo isso regado com lágrimas que incessantemente não paravam de cair daqueles palestrantes, relembrando os momentos de repressão e tortura em que eles e seus companheiros viveram .

Pra quem não sabe, o movimento de ditadura militar foi uma repressão à tentativa comunista de se instaurar como regime de estado no Brasil. Essa repressão foi tão absurda que qualquer um, que se denominasse pensador de esquerda ou fosse denunciado com tal, era perseguido, preso e torturado pelo DOPS, a polícia da ditadura. Esses homens simplesmente se revoltaram contra a falta de dignidade humana, liberdade de expressão e repressão imposta pelo governo. Não aceitavam, de acordo com os seus princípios éticos e os princípios que regem o reino de Deus (paz, liberdade, amor, fraternidade, dignidade humana...), a situação que se instaurava no país (quem viveu a época sabe muito bem disso).

O erro deles foi simplesmente “pensar” o contrário, contra a corrente imposta, e isso, senhores, já era um crime contra o Estado (uma lição para você que tem toda a liberdade de expressão do mundo). Eram progressistas ideais, que possuíam convicções em suas crenças, e, por isso, foram perseguidos.

O Anivaldo Padilha contou para nós, naquilo que foi o ápice do congresso, seu testemunho de vida, o que foi inédito, pois nunca tinha se pronunciado sobre aqueles momentos ao vivo. Bem, esse cabra macho, simplesmente, foi torturado, por acreditar em uma verdade, e se opor à ditadura (de forma pacífica). Entregue por lideranças presbiterianas, Anivaldo foi levado para um dos quartéis militares da época, e lá recebeu choques nas partes sensíveis do corpo (gengivas, dentes, genitais). Passou pela cadeira do dragão (cadeira em aço, onde o torturado senta nu e recebe choques pelo corpo enquanto interrogado) e pelo famoso pau de arara que todos conhecem. A intenção do DOPS era que ele revelasse os nomes dos seus companheiros de militância, mas ele disse: “eu não podia fazer aquilo, viveria como um covarde pelo resto da vida e o sentimento de culpa me mataria, então pensei em suicídio”. Depois, complementou: “enquanto estava ali, sendo torturado, pensei comigo mesmo, eu “fraco” do jeito que sou, seria detido pelo menos por um desses oito homens que estão aqui presentes e por detrás deles está a mão da nação mais poderosa do mundo (EUA), mas mesmo assim insistem em mim, por quê? Então, percebi que, naquele momento, eu não era o mais fraco, mas sim o mais forte MORALMENTE”. A essa altura do campeonato, só haviam soluços de lágrimas naquele auditório.

Anivaldo disse que muitos dos seus companheiros e companheiras até hoje estão desaparecidos (Mortos que não foram encontrados). Fiquei ali observando, os heróis vivos que eu ainda não tinha conhecido e os referências de uma igreja viva e militante, comprometida, de fato, em uma mudança de realidade social, mesmo que isso lhes custasse a vida.

Não senhores, isso não é uma história de filme americano, ou uma epopeia grega. De fato, aconteceu em nosso país.

Na tarde anterior, depois de uma palestra do Zwinglio, Anivaldo e do Dr. José Bittencourt, foram abertas as perguntas aos palestrantes, e, lá fui eu, baiano metido a besta, um pequeno aspira delirante, fazer a minha pergunta! Diante deles, e da plateia, perguntei: Senhores, nada melhor do que projetar o futuro olhando para o passado. Diante de referências históricas e militantes, preciso lhes perguntam. Como jovem que sou, com apenas 20 anos e com toda a energia para gastar, sei que isso não é uma receita de bolo, mas gostaria que me falassem, ao menos, o primeiro passo que tenho que dar para começar a lutar pelas questões sociais do nosso Brasil. É, a pergunta ficou meio sem pé e sem cabeça (dado ao nervosismo), mas com sentido, e para minha surpresa, quando terminei, todos estavam aplaudindo, senti que ali era aberta uma percepção de um novo momento em minha vida.

Dr. Bittencourt me respondeu e disse que não possuía uma resposta para isso, mas que qualquer caminho de transformação passava pelo caminho do “auto conhecimento”, ou seja, sabermos hoje quem somos, de onde viemos e para onde queremos ir. Feitas e respondidas essas perguntas, estaríamos dando um primeiro passo. A resposta do Anivaldo me surpreendeu. Ele também disse que não teria uma cartilha para isso e só de ter ido ao congresso eu já estava no caminho certo, mas, dando um conselho para a juventude, ele falaria: SEJAM REBELDES. Tive que rir depois dessa, no mínimo, hilária essa resposta.

Anivaldo me disse (e a todos que estavam presentes) que uma das características da juventude de sua época, que havia se perdido na juventude de hoje, era a rebeldia. Os jovens eram inconformados e se expressavam assim (os jovens inconformados da época estão no poder hoje, daqui 50 anos estarão no poder os elitistas filhinhos de papai #quedeusmelivre). Não tinham medo, viviam sua juventude, manifestavam-se. E eu, de fato, percebi que nós, jovens de hoje, não temos nem a metade da gana e da garra da juventude da época desses caras. Somos a geração do facebook e do twitter, nos manifestamos com nossos post’s e xingamos muito no # do twitter! #lamentável.

Graças a Deus, pude ter os olhos abertos para nossa realidade nesse congresso, olhando para trás e vendo tudo o que nos foi tirado e nos dado em troca: ideais de papel, teologias baratas, inibição de rebeldia, falta de senso crítico, showbussines do evangelho, uma política de direita comprada e uma de esquerda vencida ( e atrasada). Somos uma vergonha e nada mais.

Talvez, você, que conseguiu ler esse texto até o final, pense que estou sendo precipitado ( o que seria loucura da sua parte) em dizer tudo isso, e que não estou analisando bem a situação. Digo que talvez você não tenha conhecido quem eu conheci e visto os relatos que vi, e assim, comparado com o que “EU” (primeiramente) e minha geração se tornou. Totalmente conformados, cordiais, indiferentes, néscios e negligentes com a realidade social brasileira. Temos liberdade e não usufruímos, temos direitos e não revindicamos, temos deveres e não cumprimos, temos saúde e não aproveitamos, temos paz ,e, por termos tanta paz, não queremos guerra. Nossa posição de conforto nos faz bem e ela está nos matando, culturalmente, ideologicamente e socialmente falando (RELIGIOSAMENTE ESTAMOS QUASE MORTOS).

Tenho quase certeza de que ninguém (ou quase ninguém) prestará muita atenção naquilo que escrevi, mas tenho também a certeza de que estou tentando fazer a minha parte, por um resgate de valores e ideais perdidos.

E o que mais posso dizer? Anivaldo Padilha, Joaquim Beato, Rubem Alves, João Dias e Zwinglio Mota, Muito Obrigado por tudo o que fizeram, vocês são nossos marcos e referênciais. AGORA É A NOSSA VEZ!

E Não se esqueçam Moçada: Autoconhecimento e Rebeldia são os primeiros passos! (Dicas da Velha Guarda)

Por Rodrigo de Barros Mascarenhas



segunda-feira, 21 de maio de 2012

Identidade Religiosa: Do estabelecimento simples ao complexo


            A identidade religiosa de um povo, em todas as épocas, normalmente passadas (foco de análise), criava-se a partir de diálogos, cotejamento de ideias, e compartilhamento de experiências. Isso, quase sempre, ou sempre, em se tratando do convívio paralelo entre culturas, sociedades, vizinhanças, com tudo que lhes eram peculiares. Toda essa dinâmica produzia, gerava, despertava “em”, características criativas, construtivistas, que acabavam marginalizando, naturalmente, depois de um tempo, os unidos familiar ou eticamente, dentro de uma só tendência de se pensar o divino, o sagrado. Isto é, em termos modernos, da globalização, ao redutivo comunista, ideológico. O primeiro para se gerar a matiz, o segundo, para consolidá-la e protegê-la de “corrupção e adulteração, tidas más influências”. Isso aconteceu com os Gregos, Romanos, Persas, e por que não, com Israel? Observando certas minúcias, alusões, com um pressuposto, quase sempre hipotético, principalmente a partir de uma abordagem direta à Bíblia Hebraica, ou, conjunto de livros canonicamente separados para a formação da primun legem religiosa judaica, percebe-se a existência de um desenvolvimento diretivo do pensar sobre a divindade o qual, ao longo do tempo, vai-se tomando forma, e assumindo personalidade, corpo, e fôlego próprio. Esse apropriar-se de pele e rosto, de vida e força de sobrevivência independente (quase impossível), que a identidade religiosa de Israel, o pensar sobre o “totalmente outro”, adquiriu, por muitos, é considerado como recebimento revelacional, diretamente enviado, do alto, a baixo, de cima, para dentro de seus porta-vozes, escritores, heróis, ou profetas. Identicamente ao sopro criador edênico (Gn 2.7), que foi exteriorizado e embutido, por Yaveh Elohim, a fim de vitalizar ao, até então, boneco de barro que, posteriormente, foi substantivado nominalmente אָדָ֗ם. Mas, honestamente, se é que seria o melhor advérbio de modo a se usar, as coisas não aconteceram tão simples assim, como uma mente, que louva e valoriza mais ao fideísmo do que o criticismo, consegue anuir. Ressaltando-se o fato de que a identidade religiosa de Israel passou de ampla, dialogal, que se utilizava de outros vieses próximos, para pequena, fechada dentro de um espaço familiar, nacional, têm-se novas maneiras, hermenêuticas, pressupostos, para se observar conceitos sobre Deus, expressados na Bíblia Hebraica. Desse modo, como exemplo, El Elyon (Gn 14.18) já pode não ser visto como o único Yaveh pós-exílico, P, (Dt 6.4), mas como a grande e única deity de Canaã. Tão lembrada que possui destaque dentro do panteão extraterreno principal (Sl 29; 89.6). Essa deity, que só perdeu prestígio quando o monoteísmo foi, de fato, oficializado pelo estado, mas que foi louvada e incluída “henoteisticamente” pelos hebreus nos seus registros e alvos de culto, nos embriões de sua existência, foi deixada de lado, paulatinamente; e, a partir da “hail! Yaveh somente”, se adorada, promotora de maldição (Ex 20.2; Dt 5.6). O plural já passa de simples majestático (Gn 1.1), para uma percepção mais politeísta de se ver a realidade dos deuses (Gn 1.26-27; 2.4), refletida no incipiente texto referido. Dificultosas definições de identidade para a época da escrita, ainda, facilmente percebidas. Enfim, o desenvolvimento de uma identidade religiosa não parte simplesmente de algo transcendentalmente comunicado, bem cuidado, com toda simetria possível. No entanto, de uma tempestuosa e turbulenta conversa, recebimento e dação, de experiência e palpites sobre o não palpável. Até que, de fato, se nota a oficialização tardia da referida verdade sobre a realidade supra-humana dos deuses, e, mais especificadamente, da religião, em aspectos gerais. 
André Francisco

sábado, 19 de maio de 2012

A Saudade

“A saudade se gera por causa da recordação, no presente, de episódios vividos. Acentua-se quando essas memórias sobressaem-se à consciência de que esses eventos, irreparavelmente, extrapolaram a realidade sólida e  passaram de palpáveis para meramente contemplativos, de concretos para simplesmente abstratos. E esse descontrole sobressalente pode ser um dos promotores de prováveis quimeras se não aplainado ao nível da normalidade. No entanto, a saudade esvai-se, árdua, mas, propositadamente, quando se percebe que as lembranças factuais pelas quais ela existe são especiais o bastante para que não sejam, a qualquer custo, protegidas de tamanhas e irremediáveis degenerações. Mas como protegê-las, sem rememorá-las? Como guardá-las, sem ressaltá-las mentalmente todos os dias?  De que maneira não sofrê-las ao memorá-las?  Não se sabe. É por isso que aquele que inevitavelmente se torna vítima da saudade, a qual é nutrida pelas lembranças, sabe que terá o irrefragável desafio de ser transigente, todos os dias, com esse sentimento,  se objetivar conservar a alegria que se deriva da valorização subjetiva daquela realidade existida, que já lhe tornou intrínseca.”


André Francisco

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Teologia Veterotestamentária

Opa! Começam-se as postagens a respeito de Teologia Veterotestamentária. Serão enfatizados, nesse mesmo perfil, outras postagens, com a mesma temática, e maior amplitude. Abordagens reflexivas, e de carácter crítico, para todos os leitores.

Para todo leitor do Antigo Testamento, esse post, simples e condensado, se direciona. Um rápido realce de algumas citações da Bíblia Hebraica as quais elucidam o uso constante de animais mitológicos, pelos mais diversos autores. Entre esses usos, estão destacados alguns principais cuja exposição deixa claro o diálogo existente entre as culturas antigas. Cotejo esse que tinha como finalidade a construção de suas identidades religiosas, e de suas figuras sagradas.

Lá se vai uma lista de animais mitológicos (lendários) veterotestamentários.

Beemote= בהמות, criatura fantástica que só Deus pode vencer. Na cultura hebraica, muitas vezes identificado como um touro gigante de três chifres.



"Contemplas agora o BEEMOTE, que eu fiz contigo, que come a erva como o boi. [...] O seu rabo levantado é duro como um galho de cedro [...] Ele é obra-prima dos caminhos de Deus [...] Só eu, o seu Criador, sou capaz de vencê-lo. (Jó 40.15,17,19).


Sátiro= em grego, Σάτυρος — Sátyros), na mitologia grega, era a entidade da natureza com o corpo metade humano e metade de bodes. Equivale ao fauno da mitologia romana.

"Mas as feras do deserto repousarão ali, e as suas casas se encherão de horríveis animais; e ali habitarão os avestruzes, e os SÁTIROS pularão ali" (Isaías 13.21).


cultura/a-mitologia-grega)

Basilísco= serpente fantástica, ou, até mesmo, voadora. Essa bizarra mistura dava ao basilisco poderes diversos, como o de queimar qualquer coisa que dele se aproximasse, fender as rochas com sua respiração ou deixar um poderoso veneno ao longo de sua trilha. (http://www.brasilescola.com/

mitologia/basilisco.htm)

"Não te alegres, tu, toda a Filístia, por estar quebrada a vara que te feria; porque da raiz da cobra sairá um BASILISCO, e o seu fruto será uma serpente ardente, voadora" (Isaías 14.29).

Leviatã= tannîn, criatura horripilante, habitante das profundezas do mar, assemelha-se ao dragão em certos casos.

"Poderás tirar com anzol o LEVIATÃ, ou apertar-lhe a língua com uma corda?...Da sua boca saem tochas; faíscas de fogo saltam dela... Dos seus narizes procede fumaça, como de uma panela que ferve, e de juncos que ardem... O seu hálito faz incender os carvões, e da sua boca sai uma chama".
Jó 41:1, 19-21

Fênix= A fênix ou fénix (em grego ϕοῖνιξ) é um pássaro da mitologia grega que, quando morria, entrava em auto-combustão e, passado algum tempo, renascia das próprias cinzas. Outra característica da fénix é sua força que a faz transportar em voo cargas muito pesadas, havendo lendas nas quais chega a carregar elefantes. Podendo se transformar em uma ave de fogo. Existentes em outras mitologias.

"Eu dizia: Morrerei em meu ninho, meus dias serão tão numerosos quanto os da fênix". Jó 29:18 (tradução da palavra hebraica hôwl (ou chol), que é escrita com um "het", um "vav" e um "lamed". Em Midrashim judaicos, o Bereshit, em Amã (19:5), encontramos o seguinte comentário ao Gênesis 3:6: "[Eva] deu ao gado, as feras e as aves o de comer [o fruto proibido da árvore do conhecimento]. Todos a obedeceram e comeram, todos exceto certo pássaro chamado Chol, como está escrito: 'Então eu disse: vou morrer com o meu ninho, e eu vou multiplicar meus dias, como o Col [isto é, 'Phoenix']' (Jó 29.18)" .

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