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sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Disse Jesus: Eu sou lucifer!



1. Ocorreram muita tradução e interpretação esdrúxulas de textos da Bíblia Hebraica. Quase sempre, graças aos seus intérpretes alegóricos e amplamente tendenciosos à defesa do dogma independentemente da transparência. Analisa-se a seguir um dos casos históricos, político-religiosos, mais desonestos que já vi à exegese, tradução e interpretação textual. 

2. Isaías 14.4 narra uma profecia contra a queda da Babilônica e seu rei, provavelmente Nabucodonosor. Gênero que se constitui literariamente como uma parábola, provérbio ou sátira (v.4). Veja: "proferirás esta parábola contra o rei da Babilônia, como cessou o opressor, como cessou a tirania" (ARC). Ou, "este provérbio contra o rei da Babilônia..." (ACRF); "usarás esta parábola..." (SBB); "cantarás esta sátira contra o rei da Babilônia..." (VC).

3. É importante delimitar o significado de parábola, provérbio e sátira respectivamente.

4. A primeira, constitui-se em um ato de "comparação desenvolvida em pequeno conto, no qual se encerra uma verdade, um ensinamento. Trata-se de uma história curta cujos elementos são eventos e fatos da vida cotidiana". A segunda, é uma máxima popular que expressa uma verdade, tanto real quanto figurada. A terceira, é o uso da ironia ou do sarcasmo para atacar algum comportamento humano. Constitui-se um gênero bastante utilizado nos teatros, na literatura, no cinema, entre outros. A partir dos significados dessas palavras em português podemos concluir que Is 14.4 e, consequentemente, o restante do capítulo, referem-se ao rei da Babilônia de maneira alegórica, fazendo comparações com a queda de seu reino com elementos bastante pertinentes à cultura local das margens do Eufrates. 

5. É possível notar que todas as comparações feitas são alegóricas enquanto no texto pelo próprio autor. Ou seja, a intenção do rei em subir acima do trono do Altíssimo (לְעֶלְיֹֽו) (v. 13), a afirmação de que ele caiu dos céus (v. 12), a sua inserção no sheol (v. 16), etc. Uma mais especial é a nomeação do monarca com a expressão hebraica הֵילֵ֣ל בֶּן־שָׁ֑חַר (heilel ben-shachar), traduzida, na maioria das versões Bíblicas em língua portuguesa, por "estrela da manhã", "estrela d'alva", "estrela matutina", "planeta Vênus". Também a expressão ben-shachar (בֶּן), que seria "filho da manhã" ou "filho da aurora". A partir das traduções dessa palavra em hebraico para a versão dos Setenta (Septuaginta), da alegorização da Bíblia Hebraica por Orígenes e, posteriormente, do lançamento da Vulgata Latina por São Jerônimo (385 d.C?), surgiram os principais problemas hermenêutico-exegéticos desses textos envolvendo até uma personagem nunca mencionada neles diretamente, sha'tan (Satã ou Satanás; שָּׂטָ֔ן). 

6. Primeiro é necessário analisar a Tradução dos Setenta. Nela a expressão hebraica heilel ben-shachar, הילל בן שחר, de Isaías 14.12, foi traduzida por Ἑωσφόρος (Heōsphoros), que na mitologia grega é a palavra usada para nomear, de maneira personificada, o planeta Vênus, conhecido como "portador de luz", "estrela brilhante", "estrela da manhã", da "aurora", "matutina". Às vezes, via-se seu uso  Φωσφόρος (phosphoros) para referi-la, personificadamente. Mas no caso em análise, não foi usado este, porém, aquele. Na Septuaginta utilizaram-se dessa palavra grega, semanticamente possuída de sentido comum à época, destaque à "estrela da manhã", Ἑωσφόρος (Heōsphoros), astro cheio de luz, planeta Vênus, visível a olho nu, que é mais brilhante do que qualquer outra estrela do céu. Até no Novo Testamento aparece, não pela Septuaginta, obviamente, na segunda carta atribuída a Pedro, 1.19. Nesse contexto, φωσφορος é traduzida por "estrela d'alva" (ARC, ARIB, NVI, SBB).

Vênus refletida no Oceano Pacífico. 


7. Segundo, ainda em se tratando de tradução e não interpretação, seja alegórica ou não, temos a Vulgata Latina, versão de São Jerônimo, do grego da Septuaginta para o latim, em 385 d.C, provavelmente, a pedido do papa Dâmaso. No Isaías 14.12, Jerônimo traduziu a palavra grega Ἑωσφόρος (Heōsphoros) pela palavra latina lucifer (lux, lucis, que significa "luz"; e ferre, que significa "portar", "levar"). O nome lucifer em latim atribuía-se à "estrela da manhã", "d'alva", "matutina", Vênus, em suas aparições matinais, como na foto acima. O padre também traduziu o Novo Testamento e, em 2 Pedro 1.19, usou o termo lucifer, novamente se referindo à "estrela d'alva", como o sentido da palavra indicava, provavelmente, aludindo-a a Jesus ou à graça. Veja: 

"...e a estrela d'alva surja nos vossos corações". 2 Pedro 1:19 (ARC)
"...e a estrela da alva nasça em seus corações". 2 Pedro 1:19 (NVI)
"...et lucifer oriatur in cordibus vestris". 2 Pedro 1:19 (Vulgata Latina) 


Jerônimo utilizou a palavra lucifer, também em sua derivação luciferum, em alguns outros textos, porém, semanticamente, com significados aproximados. Por exemplo, em Jó 11.17, como "manhã" ou "aurora": 

"...ainda que haja trevas, será como a manhã". Jó 11:17 (ARC)
"...consumptum putaveris orieris ut lucifer". Jó 11:17 (Vulgata Latina) 


Em Jó 38.32, traduziu a palavra hebraica מזרות (que significa "constelações")


"Ou produzir as constelações a seu tempo, e guiar a Ursa com seus filhos?Jó 38:32 (ARC)
"numquid producis luciferum in tempore suo et vesperum super filios..." Jó 38.22 (Vulgata Latina)

Também no Salmo 109 (110), traduzindo a palavra "aurora" ou "alva":


"...nos ornamentos de santidade, desde a madre da alva". Salmos 110:3 (ARC) 

"...in splendoribus sanctorum ex utero ante luciferum genui te..." Salmos 109: 3 (Vulgata Latina) 




Pode-se concluir, com facilidade, que a palavra foi largamente usada para nomear a "estrela d'alva", "da manhã" na maioria dos casos, substituindo o termo grego Ἑωσφόρος (Heōsphoros), principalmente em se tratando do texto de Isaías. 

8. No entanto, no ínterim entre a criação da versão grega da Septuaginta e a versão latina da Vulgata de Jerônimo, surgiu um teólogo bastante renomado da igreja chamado Orígenes, (século 3). Grande intérprete das Escrituras, adepto declarado ao método hermenêutico-exegético de Fílon de Alexandria, ou seja, altamente alegórico. Esse indivíduo foi um dos primeiros teólogos cristãos a interpretar Isaías 14.12 como sendo uma referência a Satã. Junto com Tertuliano (final do século 2), que interpretou Satã como o querubim do éden de Ezequiel 28 (texto que faz referência explícita, alegoricamente, ao rei de Tiro, e não a sha'tan; Ez 28.2). 

9. Orígenes alegorizou um texto que já possuía caráter literário de alegoria, como visto anteriormente. Uma segunda comparação, identificando, sem ainda o termo lucifer sequer existir (destacando que só veio à existência com a tradução da Vulgata Latina, no final do século 4 d.C), a "estrela da manhã" de Isaías 14.12 como uma referência oculta a Satã. Escreveu em "Ezekiel Opera", iii, 356): 

"Satanás, príncipe dos demônios, e que era a coroa da beleza do Paraíso, a estrela da manhã, é agora o príncipe deste mundo, cuja liberdade Deus respeita. Não pode exercer nenhum poder sobre aqueles que o rachassem".


10. O problema da interpretação da queda de Satã, interpretada alegoricamente por Orígenes, posta no texto de Isaías 14.12, é o assemelhamento que fez, misturando o sentido histórico do texto, que era ao rei da Babilônia, em sátira; o sentido da palavra הֵילֵ֣ל, "estrela da manhã", que passou a ser entendida como uma aplicação a Satã; e também, a partir do lançamento da tradução da Vulgata, que a chamou de lucifer. Pois, "estrela da manhã", que é lucifer em latim, como exposto anteriormente repetidas vezes, não pode ser entendida como uma referência direta a Satã, não mesmo! Orígenes estava completamente influenciado pelo seu método hermenêutico ao usar esse tipo de aplicação.

11. Por exemplo, em Apocalipse 22.16, Jesus disse, em versão portuguesa (ARC), o seguinte: 

"Eu, Jesus, enviei o meu anjo, para vos testificar estas coisas nas igrejas. Eu sou a raiz e a geração de Davi, a resplandecente estrela da manhã". Apocalipse 22:16 (ARC) 



Como método de Orígenes se propagou na teologia da igreja patrística, e "estrela da manhã", traduzida por Jerônimo como lucifer, no texto de Isaías 14.12, passou a ser entendido como nome próprio de Satã antes da queda do céu, e o próprio texto referido visto como uma aplicação espiritual, entrelinhas, a esse personagem maligno; o criador da Vulgata não usou lucifer para a frase dita por Jesus, no Apocalipse, destarte não convinha. Porém, o sentido do uso em grego, e em português, posteriormente, é o mesmo de Isaías, apenas se referindo a Vênus, à estrela que brilha, só isso, não Satã. Jerônimo traduziu Apocalipse 22.16 assim: 

"Ego Jesus misi angelum meum testificari vobis hæc in ecclesiis ego sum radix et genus David stella splendida et matutina" (Vulgata Latina) 



No lugar da palavra lucifer, que até então era usada tranquilamente para se referir à estrela, ele utilizou "stella splendida et matutina". Semanticamente, é a mesma coisa. Pois, a frase "stella splendida et matutina", em latim, pode ser resumida em uma palavra, lucifer. O significado semântico é o mesmo, histórico, mitológico, cultural, natural. Mas por que não usou? Talvez porque o significado teológico já havia modificado plenamente as estruturas das palavras. Em sua época, como supracitado, devido a influência de Orígenes, o termo lucifer já tinha dono e não era Jesus. 


12. No entanto, o que o autor de Apocalipse escreveu poderia ser muito bem traduzido por "Ego Jesus sum lucifer", daria na mesma, se não fosse o imbróglio que os alegóricos fizeram anteriormente, incluindo significados em textos que nunca foram escritos com tais intenções. Por isso, "Disse Jesus: Eu sou lucifer" é possível, semanticamente plausível. Mas infelizmente, "estrela d'alva" passou a ser outro ente. 



André Francisco


12 comentários:

  1. ''Porque eu testifico a todo aquele que ouvir as palavras da profecia deste livro que, se alguém lhes acrescentar alguma coisa, Deus fará vir sobre ele as pragas que estão escritas neste livro;
    Apocalipse 22:18''

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    1. isso se refere somente ao livro do Apocalipse não é? E apesar de S. Jerônimo 'acrescentar' palavras, ele se manteve fiel a tradução. Não modificou o sentido da frase. Oque não podemos dizer de Orígenes, Que por interpretar erradamente, e por se tratar de um Grego, que seria a pessoa mais indicada para traduzir sua própria lingua, induziu muitos ao erro. Eu sempre discuti com protestantes sobre essa passagem de Isaias. Pois eu lia e relia e não via nada alem de uma 'profecia' contra o rei da Babilonia.

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  2. Já acrescentaram Amigão!!!
    O que é que vc acha que é isso aí? Abra seus olhos e veja que, todos esses
    homens antigos ( Jerônimo, Calvino etc ). Já o fizeram!
    Só não vê, quem não quer.
    Estes homens nos fazem blasfemar todos os dias dizendo que Lúcifer é o Diabo!
    Se descontamine do sistema religioso. Pare de ler pedacinhos da bíblia,
    e leia escritura que está contida na bíblia, examine e retenha o que é bom.
    Mas leia ela toda! Sem capítulos, versículos ou epígrafes que são aqueles
    títulos que ti leva ao erro.
    Exemplo: Sermão do monte, a viúva que deu tudo que tinha, etc.
    Paz e um abraço ao amado do blog e aos demais.

    Gutemberg

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  3. A antiga serpente o diabo..nunca foi anjo de luz ou de sabedoria...seja la o que for que os lideres religiosos interpretam...nunca Ele foi isso desde o PRINCIPIO..SERA MESMO QUE JESUS MENTIU AO DIZER:

    Ele foi homicida desde o princípio, e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso, e pai da mentira.
    (JOAO 8:44)

    OU SERÁ QUE OS LIDERES RELIGIOSOS TEM RAZAO AO DIZER E PREGAR QUE LUCIFER ERA UM ANJO PERFEITO?

    NUNCA SATANAS FOI LUCIFER...E NUNCA ESTE TITULO FOI DELE...JAMAIS FOI ANJO DE LUZ...

    ELE NA VERDADE É PAI DA MENTIRA.

    QUEM FALA A VERDADE?

    VCS LIDERES RELIGIOSOS QUE DIZEM QUE SATANAS FOI ANJO DE PERFEICAO E QUE ERA LUCIFER.

    OU JESUS QUE DIZ EM:Ele foi homicida desde o princípio, e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso, e pai da mentira.(JOAO 8:44)

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  4. Pode se mas fácil concreção
    está tradução para compreende melhor
    Esse estudo

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  5. Pode se mas fácil concreção
    está tradução para compreende melhor
    Esse estudo

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  6. Pode se mas fácil concreção
    está tradução para compreende melhor
    Esse estudo

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  7. João 8: 44. Vós pertenceis ao vosso pai, o *Diabo*; e quereis realizar os desejos de vosso pai. Ele foi assassino desde o princípio, e jamais se apoiou na verdade, porque não existe verdade alguma nele. Quando ele profere uma mentira, fala do que lhe é próprio, pois é um mentiroso e pai da mentira.
    https://bibliajfa.com.br

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  8. Sei que esse tema é velho, porém ,tenho uma dúvida ,afinal se contas,esse ser ,malígno existe ou não ?

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    1. Olá. A existência de satan na teologia histórica dos hebreus não é tardia. É um tema consideravelmente novo em relação à construção religiosa. Talvez 400 a.C. Claro que aqui tratamos sempre no aspecto da doutrina e não do fato em si.

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  9. Padre Quevedo fez essa explicação afirmando que Jesus é o Lucifer,já não tenho duvida que foi realizado uma construção deturpada e destruida do significado genuíno e a sociada ao mal.

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  10. Parabéns, André Francisco, texto muito esclarecedor!!!

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