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sábado, 21 de junho de 2014

Entrevista com Madihah, uma sobrevivente da chacina de Jericó- Final

1. Esta é a parte final da entrevista com Madihah, uma sobrevivente da chacina realizada por Israel, liderada por Josué, a Jericó. Ela conta, condensadamente, algumas das principais coisas que ocorreram naquele dia, de muito choro e sofrimento. Leia, e tente perceber o sentido real dessas palavras, pois foi aquilo que esta pobre mulher vivenciou. 

"Gritou, pois, o povo, tocando os sacerdotes as buzinas; e sucedeu que, ouvindo o povo o sonido da buzina, gritou o povo com grande brado; e o muro caiu abaixo, e o povo subiu à cidade, cada um em frente de si, e tomaram a cidade. E tudo o quanto havia na cidade destruíram completamente ao fio da espada, desde o homem até à mulher, desde a criança até aos idosos, e até ao boi e ao bezerro, e ao jumento". Josué 6.20-21





-Kalih sucumbiu... [choro na alma de uma mulher desesperançosa, refletidos por pequenas gotas de lágrimas a jorrar e molhar cílios]

-Sequer tenho palavras, Madihah! Acredito que teu sofrimento seja maior do que esperava anteriormente, ao planejar o envolvimento desse diálogo de entrevista biográfica. 

-Muito grande, sem dúvidas. De todas as coisas ruins que me aconteceram em vida, acredito que esta seja uma das piores. Mas não a pior. Deixe-me continuar. Agora, o que mais quero é terminar essas palavras com as quais meu coração tem chorado dia após dia.

-Continua, por favor. Acredito que estamos chegando no momento mais crítico de suas lembranças. Faça o possível para dizer tudo o que puder. Se não conseguir, entenderei perfeitamente. 

-Após Kalih tombar, aquele homem, a qual o rosto maligno e cheio de raiva não me sai da cabeça e dos olhos, riu debochada e felizmente. Bradou: "menos um pagão vivo para zombar do Poderoso de Israel, Yah". Pensei naquele momento se meu marido alguma vez na vida tinha feito tal zoação. Não a fez, não era de seu costume criticar deuses alheios. Não era de sua índole desrespeitar qualquer coisa. Sempre foi de respeito, sério, íntegro em seus passos. 

-A fumaça já ficara insuportavelmente densa. Pedaços de madeira barrenta da superior lateral direita do teto começaram a cair. O soldado que estava a quinze passos entre mim e minhas filhas se desviou com o choque das madeiras no chão. Levantou sua perna por cima delas, abafando o fogo mediano com uma das mãos vagas, e ultrapassou aquele obstáculo em direção nossa. Era o fim. Para mim não havia chances de escapar. Meu cérebro, por causa daquele vapor terrível e da cena que vira, não funcionava da forma a qual deveria, veloz para tomar decisões de sobrevivência. Instintivamente, já que não havia mais solução para Kalih, levantei-me com força, corri em direção ao fundo e agarrei-me na chabser (maçaneta) da porta. Comecei a fazer força para arrebentá-la. Queria sair dali. Não queria ficar com aquele animal cheio de loucura e sangue. Amber estava no meu braço, com a outra mão esmurrava chabser desenfreadamente. A cada soco que dava, imaginava aquele homem se aproximando cada vez mais. Meus batimentos cardíacos aumentavam descontroladamente segundo a segundo. Minha respiração estava a acelerar, e fumava era inalada como se ali não houvesse. 

-Madihah, acreditava que pudesse haver piedade?

-Nunca, nunca, não... [raiva nos olhos fitos nas imagens da mente longínquas] 

-Depois de tudo o que fez com meu marido. De todos os deboches e palavras de insulto, como poderia pensar assim? Na minha cabeça só habitava a ideia de que ali seria nosso fim. De que minhas filhas, as mais lindas meninas que já vira em vida, não viveriam para sentir as valorosas dores de um futuro parto. Não conceberiam outras crianças como elas a seus maridos. Essa ideia tornara-se assombrosa nos meus rins. 

-Ele vinha devagar, girando sua espada na mão direita. Consegui até distinguir, no meio daquela gritaria de desvaneio, um assobio sombrio. Olhei para trás, fitei seus olhos entre a fumaça e chamas. Parecia do submundo, cheio de terror e ódio. Abaixei e olhei Leena, que iniciou gritos. Chamei Amber nos olhos, sua boca se deformava aos berreiros. Lágrimas saíam de suas pálpebras fechadas. Bradei por El! 

[interregno silencioso] 

-Ele te ajudou? [...]

-Nunca me deixou só. [lágrimas gotejadas largamente]

-Milagrosamente, a porta abriu à retaguarda. A fumaça escapou veementemente por aquela brecha. Não entendia o motivo. Minha força não dera conta do arrebentamento. Lancei-me para fora. Não sei como, mas mantive Amber no braço esquerdo, puxei Leena pelas mãos e me joguei sem ir ao chão. Não distingui bem as coisas, apenas senti duas mãos segurando-me pela cintura e buscando me colocar sobre os pés. Deixei meu corpo levemente flutuar àquela ajuda divina. Senti o solo nos calçados novamente. Era Dijer, O Magro, que ali estava. Jebuseu que vivia como nosso vizinho há dois anos. Cuidador de camelos no deserto de Gizer. Saiamos daqui, Madihah, gritou ele. O soldado viu que eu não estava mais sozinha. Não se espantou. Abriu sua passada em direção à porta, com a espada agora fixada entre os dedos. Dijer fechou a madeira no rosto dele. Ela ia e vinha. Disputavam a abertura pela força. Eu só observava. Ali já tinha colocado minha vida nas mãos do Magro, pois entendi que era socorro de El. 

-Olhei lentamente ao redor e assisti meu pomar cheio de cinzas. A cidade estava em chamas, tanto quanto mais da metade de minha casa. Os muros que nos protegiam completamente derrubados. Flechas e tinidos de espadas por todos os lados. Dijer lutando por nossas vidas. Já presenciara aquela cena em Kalih, agora no meu vizinho. Leena me pedia para que aquilo acabasse. Disse-me em prantos: "mamãe, não aguento mais... meus ouvidos estão tapados. Não quero morrer, mamãe, não quero morrer". "Filha, não vamos morrer, por favor, fique calma, acalme-se"- disse a ela. Esperei por aproximadamente um minuto a luta. Dijer exclamou- Madihah, corra. Saia daqui. Busque o corredor de Raíta, ao sul do portão do Dragão de Couro. Entendi suas palavras, virei-me e fui com a silhueta baixa em direção ao portão, beirando o córrego curto que havia nos fundos de meu horto. 

-Explica-me um pouco sobre esse atalho.  

-Era o portão do Dragão de Couro, o corredor de Raíta. Ficava à leste do cemitério da cidade. Lugar pouco visitado por qualquer pessoa. Normalmente, não havia muito movimento por lá. O estreito corredor de Raíta levava ao deserto de Gizer. Dijer conhecia muito bem aquele lugar, por isso me indicou. Os israelitas, como diziam os guerreiros de Jericó, posicionaram-se sete dias atrás à frente da cidade e na sua lateral esquerda, logo, a passagem poderia estar livre. Era minha esperança no momento. Ficava aproximadamente a quatrocentos metros de minha casa. Teria de contar com a sorte, em meio aquela balbúrdia, para que ninguém nos visse. Como era a única opção, nem me ative a tal detalhe, apenas tentei. 

-Qual o resultado dessa desesperada tentativa, Madihah?

-Insucesso. [tristemente contada a notícia]

-Avistei dezenas de pessoas correndo em direção a Raíta, depois de andar um pouco. Vinha à retaguarda desses tantos uma tropa de arqueiros israelitas. Dezenas de meu povo não conseguiram chegar à passagem. Caíam com flechas perpassadas pelas costas. Mulheres, velhos, crianças, jovens, amontoados naquele lugar, com muitos outros subindo por cima do monte de corpos e sucumbindo também. Desse modo, o corredor ficou quase fechado, com apenas uma pequena brecha livre. Os corpos apodrecidos e os que ainda se faziam quentes obstaculizavam-no, e a tropa de lançadores estava de longe, esperando qualquer sinal de movimento para atacar. Abaixei-me o máximo para não ser vista. Pedi para que Leena não soltasse minha mão por nada e mantivesse a calma. Beirei o muro em direção a passagem. Amber silenciou seu choro. Parecia que estava entendendo a necessidade do silêncio naquele momento, para chamar a menor atenção possível. Ali minha vida perdeu o sentido!

-Como assim, Madihah, o que houve?

-Cheguei à fresta e não tive um jeito adequado para passar por causa de Amber no meu colo e Leena segurada pela mão. Virei-me de costas para evitar qualquer choque de meu bebê com àqueles corpos amontoados e para que visse Leena com meus olhos fitos e pudesse puxá-la para trás, diante daquele pequeno resto de corredor espremido que sobrara. Não percebi que havia alguém ali escondido à frente dos corpos. 

-Quem, Madihah, conta-me. 

-Um capitão israelita. Sei pois ouvi seus homens bradarem- pegue, capitão, não deixe escapar. Quando entrei meu corpo se espremeu entre o muro e corpos. Não havia chances de sair nem para trás nem voltar à frente com velocidade. Minha ideia era mover-me lentamente até sair em direção ao deserto, desbastando pedaços do muro em meus braços machucados e frágeis. Mas fiquei entalada. Movia centímetros por vez. Não houve tempo de reação. Ele apareceu e puxou Leena pelo braço com muita força. Não houve chances para minha mão segurá-la. Ela caiu no chão bruscamente. Vi tudo aquilo como se a cena estivesse lenta. Gritei- Leeeeeeeenaaa! Meus ouvidos tamparam e zuniram ao retumbar do eco daquela doce canção, seu nome. Ele voltou e disferiu-me um soco na testa. Por um momento, perdi os sentidos todos. Uma tontura surgiu em minha cabeça depois de ter levado o golpe. Meu corpo ficou mole e só não caí por causa da pressão que o muro e os corpos exerciam sobre mim no corredor. Mas sinto como se fosse hoje o preenchimento, calor, suor e peso do meu braço esquerdo se tornando vazio, frio, seco e leve. 

-O que isto quer dizer?

-Ele me viu quase desmaiada e apanhou minha alma. [soluços descontrolados adjungidos a choro estressado] 

-Estou chocado, Madihah! [silêncio...]

-Queria ter feito diferente... não queria que fosse assim. Por quê, El, por quê? Esta foi a pior coisa que me aconteceu tanto na vida quanto no meu atual estado de morte. 

-Toma esta água, Madihah, pode te fazer bem. 

-Meu coração está em pedaços, não vivo desde aquele dia. Estou em trevas, sombras cercam meus olhos noite e dia. Sou apenas um corpo que paira sobre a terra seca sem sentido. 

-Termina, Madihah, evitemos mais sofrimento por hoje.

-Senti outro golpe em meu peito, agora, um chute. Este fez meu corpo ir para trás com tudo. Aquele muro foi manchado com sangue de meu braço. Os corpos que me espremiam movimentaram-se, caindo à minha frente, separando-me eternamente de minhas duas pequenas vidas. Caída ergui apenas a cabeça, estendi me braço direito para frente e tentei apalpar o ar. Não tinha forças para mover cadáveres, sabia disso. Gritando, chorando, sangrando, suando, tentava fazer alguma coisa, ao me pôr de joelhos e espumar aquele lixo. Não consegui [...]

-Ouvi seus gritos. O som da voz de Leena, que tremulamente dizia,- mamãe, mamãe, me solta, sai, aah- diminua a cada segundo, ficando mais distante de mim. Não escutava nada de Amber. Meu organismo naquele momento não suportou. Apaguei repentinamente!

-Sua história é surpreendente, Madihah. Acredito que tu tenhas vivido a mais terrível de todas as sensações dolorosas que alguém possa sofrer. Estou tentando visualizar minimamente em minha cabeça essas imagens que tu tens me dito. Sei que sequer explicam pouca parte daquilo que realmente aconteceu.  

-Acordei em uma padiola de vestidos no deserto de Gizer. Abri meus olhos lentamente e vi quatro pessoas, dois jumentos e uma carroça com roupas, água e alguns suvenires. Dois homens adultos me carregavam ferida. Suas mulheres se lamentavam e de instante em instante olhavam para trás, derramando lágrimas ao verem Jericó em chamas, destruída totalmente. Estávamos chegando à cota da colina de Godâ, no deserto de Gizer. Alucinada de tanto pânico, tristeza e desgaste, perguntei ao moço se Leena e Amber estavam bem. Se eles tinham cuidado delas, se haviam lhes dado sopa no jantar. Ouvi em ecos um dos homens dizendo- vocêêêê... vai ficar bemmmm. Estamoooos... salvos. Tudo... vai ficar... beeem. Desmaiei! 

[...]

2. Esta é a parte final da entrevista com Madihah. uma sobrevivente da chacina realizada por Israel, liderada por Josué, a Jericó. 

3. Assistiu à morte de seu marido, Kalih. Teve duas filhas, Leena e Amber, tomadas das mãos, esfaqueadas subsequentemente pelo capitão e sua tropa. Depois da chacina, Madihah nunca mais teve uma vida normal. Alojou-se nas montanhas de Caiterraf, junto de alguns sobreviventes do massacre. Tentaram refazer suas vidas, as quais foram maculadas pelo sangue de Jah. 

4. Nunca conseguiram.  



"Gritou, pois, o povo, tocando os sacerdotes as buzinas; e sucedeu que, ouvindo o povo o sonido da buzina, gritou o povo com grande brado; e o muro caiu abaixo, e o povo subiu à cidade, cada um em frente de si, e tomaram a cidade. E tudo o quanto havia na cidade destruíram completamente ao fio da espada, desde o homem até à mulher, desde a criança até aos idosos, e até ao boi e ao bezerro, e ao jumento". Josué 6.20-21





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