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sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O "Espírito de Deus" em Gn 1,2 e a falácia da tradução




1. Em Gênesis 1,2, na Bíblia Almeida Revista e Atualizada, está escrito o seguinte: 



"E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas".

2. Grifei as palavras "Espírito de Deus" para comentar algo a respeito delas.

3. Em primeiro lugar, é sabido que a teologia cristã clássica-ortodoxa-católica-protestante considera o "Espírito de Deus", ou Espírito Santo (repare na letra maiúscula para "Espírito), a terceira pessoa da santíssima Trindade, ou seja, Deus. No Novo Testamento, a ideia de sua divindade não é tão clara, mas a partir dos concílios subsequentes à criação da igreja, esse personagem neotestamentário passou a ser destacadamente entendido, nos principais círculos teológicos, como uma pessoa divina. 

4. Em o Novo Testamento, "Espírito Santo" deriva, quase sempre, das duas palavras gregas, pneuma hagios, sendo que, em alguns casos, existem as duas palavras, κυριου πνευματος, traduzidas como "Espírito do Senhor". Tradicionalmente, como já disse, esse nome é atribuído a um ser divino, membro da Trindade ou Tríade sagrada, junto do Pai e do Filho, ou Filho de Deus (Jesus, no caso). 

5. Pois bem, essa é a consideração cristã para a pessoa do "Espírito". 

6. Em se tratando de tradução Bíblica, quero me ater ao caso de Gênesis 1,2; e de Gênesis 8,1 e à língua hebraica original dos textos. 

7. No primeiro versículo supracitado, são vistas as palavras "Espírito de Deus" como tradução de dois termos hebraicos, ר֣וּחַ אֱלֹהִ֔ים (rûāh ´élöhîm). A primeira palavra é significada semântica e traditivamente (às vezes traduzida) em outros textos, principalmente do bloco Gn 1-11, dos mitos de criação e dilúvio, por "vento", "sopro", "brisa": Veja exemplos: 



3,8
lürûāh hayyôm
à brisa do dia
6,3
rûhî
meu sopro, alento vital
6,17
āh hayyîm 
sopro de vida 
7,15
āh hayyîm 
sopro de vida, fôlego de vida
7,22
nišmat-rûāh hayyîm
respiração de sopro de vida (cf. Gn 2,7: nišmat Hayyîm, semrûªH)
8,1
āh 
vento
http://www.ouviroevento.pro.br/publicados/Vento_tempestuoso_um.htm

8. Mas o que mais chama atenção é a tradução do 1,2, quanto a palavra "Espírito", com letra maiúscula, destacando a questão pessoal, de sujeito, do ente a que se refere. 

9. Existe um controle teológico-cristão para essa tradução. Pois, tradicionalmente, entende-se que o "Espírito Santo", aquele lá do Novo Testamento a qual me referi anteriormente, operou como um agente da originação das coisas. Nas teologias mais corriqueiras, Deus, o Pai-cristão, enviou seu Espírito, o "Santo"-cristão, para dar forma às matérias informes do princípio, gerar o que não havia sido gerado, iniciar o não iniciado. Daí, o termo "Espírito", com letras maiúsculas foi injetado propositadamente ao sentido da palavra ruah, para que todo leitor cristão consiga corroborar a informação que já possui, a de que o agente inicial é o mesmo "espírito" anunciado nos textos gregos. 

Ou seja, para se traduzir esse versículo, usou-se bases teológicas primárias, e não o aspecto sócio-semântico do termo hebraico "ruah", nem de perto.

10. Tratando Gn 1,2 de uma maneira hebraica, a tradução obviamente seria "vento de 'elohim", ou, no máximo, "vento de Deus" (considerando Deus= 'elohim). Primeiramente, porque em todas as outras, do bloco 1-11 em que essa palavra aparece, é justamente essa a tradução escolhida pelos mesmos manipuladores da do segundo versículo, como exposto acima. Uma caso específico que quero citar é o de Gn 8,1; 

Um ruah elohim ou elohim ruah é enviado para dar fim ao dilúvio, para aquietar o borbulho das águas. E vê-se o seguinte aportuguesamento:


"E lembrou-se Deus de Noé, e de todos os seres viventes, e de todo o gado que estavam com ele na arca; e Deus fez passar um vento sobre a terra, e aquietaram-se as águas".


11. Aqui é "vento", mas lá é "Espírito" (letra maiúscula). Pergunto: isso é tradução manipulada teologicamente ou não? 

12. É nítida a questão da Bíblia hebraica quanto a isso. Grande parte dos textos nos mostra o que os seus autores acreditavam ser o ruah elohim histórico, religiosa e socialmente. Nunca, digo, nunca, ainda que em muitos casos, em tradições mais tardias, tenha sido pessoalizado, tratava-se de algum outro deus além do já existente, yaveh ou elohim, como dizem os trinitarianos que pensam que não são politeístas. 

Esse "vento", ruah, era usado por elohim ou yaveh para realizar obras específicas, como uma força que age a fim de realizar uma tarefa, seja ela boa ou má, como no caso do "espírito de mentira" na boca de um profeta. 

12. No texto mitológico de Jó 26,12-13, por exemplo, vê-se ruah destruindo as forças caóticas dos monstros marítimos e dos monstros cosmogônicos, os mesmos que haviam, no princípio, agido para que todas as coisas permanecessem no caos aquático. Repare: 


                                                    (12) Com seu poder, aquietou o Mar;
com sua inteligência, esmagou Raab.
(13) O seu sopro varreu os céus;
a sua mão transpassou a serpente fugitiva.

Repare que ruah é o agente da divindade contra o monstro primitivo do caos aquático, a serpente fugitiva, a tiamat babilônica?, ou leviatã judaico?. Ruah é força e vento tempestuoso, agente contra as obstaculizações existentes, e que elohim utiliza para saná-las, nada mais que isso. Nunca "Espírito", pessoa divinizada. 

13. E por favor, não me venha com a história do "ovo da criação" sendo chocado que dá arrepios. Creio que exegetas torcem os ossos quando a escutam atualmente.

14. Concluindo, as traduções que se têm em mãos atualmente são ou foram manipuladas por teologias cristãs clássicas. 

Conselho: duvide sempre da versão que tiver em mãos, principalmente em se tratando dos textos que originariamente eram hebraicos!

André Francisco




Um comentário:

  1. "Contemplo pelos olhos da fé Agostinho de Hipona se remoendo no túmulo e comendo sua obra 'De Trinitates'"
    kkkk
    Perfeito artigo!

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