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segunda-feira, 15 de abril de 2013

A venda casada de ideologias



Ultimamente tenho percebido uma enorme radicalização nos discursos das pessoas. De todas as pessoas. Após as inúmeras polêmicas do início de 2013, aparentemente todos se viram obrigados a assumir uma posição e a defender algum tipo de bandeira. Isso é ótimo, é necessário que os indivíduos se posicionem a respeito do mundo que os cerca. O problema está em um fenômeno que apelidei, carinhosamente, de “venda casada de ideologias”. Funciona exatamente igual à venda casada do comércio: você quer um produto e te empurram outro junto com ele – e acaba pagando pelos dois.
Talvez a analogia não tenha sido clara o suficiente. Forneço exemplos:
- Não é porque você simpatiza com a esquerda que tudo o que vem de Cuba, da Venezuela ou da Coréia do Norte é lindo. E não existe nenhum tipo de conspiração “golpista” na imprensa. Por sinal, acusar a imprensa de se tornar um “partido” com interesses próprios remonta ao surgimento dos primeiros jornais. Sempre foi apenas intriga, nunca se provou algo concreto.
- No outro extremo, não é porque você simpatiza com a direita que precisa apoiar a ditadura ou figuras execráveis como Jair Bolsonaro. Qualquer um com menos de 40 anos de idade apoiando a ditadura é, por definição, um idiota – pois não viveu naquela época ou era jovem demais para entender direito o que se passava à sua volta.
- Não é porque você está farto da criminalidade que precisa apoiar medidas imbecis como pena de morte por qualquer delito pequeno, ou aplicação da Lei de Talião (“olho por olho, dente por dente” – assim todo mundo fica cego e banguela).
- Não é porque você é heterossexual que precisa odiar gays. Gente bem-resolvida com a própria sexualidade normalmente não fica vigiando a sexualidade dos outros. É até engraçada a frase que se ouve por aí: “não concordo com as práticas dos homossexuais”. E desde quando você precisa concordar com alguma coisa de âmbito pessoal e privado, que não afeta a mais ninguém?
- Já que falamos de gênero e sexualidade, não é porque você é homem que precisa tratar as mulheres como objetos. Elas são pessoas, caso não tenha percebido. São capazes de pensar por conta própria sem o auxílio de ninguém, e possuem suas próprias vontades, desejos e aspirações. Falar de uma mulher pros seus amigos como se ela fosse uma boneca inflável não irá te tornar o cara mais macho da roda de boteco. Cresça.
- Não é porque você é branco que precisa ser automaticamente contra cotas ou medidas similares. Se quiser ser contra, arrume argumentos de verdade ao invés de ladainha de quem se sente solapado em um privilégio histórico. O mesmo vale para aqueles que estão desesperados com a PEC das domésticas, achando que isso irá destruir a noção de família da classe média brasileira. O tempo da escravidão acabou.
- Não é porque você é religioso que precisa concordar com radicais mal-instruídos como Silas Malafaia ou Marco Feliciano. E não, ateus não são automaticamente malvados. Adeptos do candomblé e da umbanda também não.
- A propósito, não é porque você é religioso que precisa rejeitar o que existe nos livros de ciência e de história. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Nas palavras de Galileu: “Eu não me sinto obrigado a acreditar que o mesmo Deus que nos dotou de bom-senso, razão e intelecto quer que renunciemos ao seu uso”. Não seja infantil: aceite de uma vez que a seleção natural ocorre e que a Terra não possui apenas 4 mil anos. E aprenda de uma vez a diferença entre teoria e hipótese, para não falar bobagem em público. Toda vez que você confunde esses dois termos, um professor secundarista de ciências chora.
- Também não é porque você gosta de animais que deve obrigatoriamente virar vegetariano e ser radicalmente contra todo o tipo de testes científicos envolvendo animais. Por sinal, boa parte das pessoas que são contra testes em animais nunca pisaram em um laboratório na vida, e acreditam cegamente em artigos manipuladores que leem em sites mentirosos e tendenciosos.
- Não é porque você gosta de armas que precisa sair por aí achando que tudo se resolve no tiro. É importante ressaltar que ser um entusiasta de armas não te torna um operações especiais – especialmente se você nunca serviu às forças armadas. Já pode parar de compartilhar frases sobre como sua “tropa” é importante para você, ou aquelas imagens de caveiras dizendo que “missão dada é missão cumprida”. Tentar parecer algo que não se é sempre acaba sendo ridículo.
- Na mesma linha, praticar uma luta qualquer não te torna um samurai, um shaolin ou nada desse tipo. Já ouviu falar em anacronismo? Algumas das frases de “sabedoria oriental” que circulam no Facebook estão simplesmente erradas, outras são ridículas fora do contexto histórico no qual surgiram. Hoje em dia ninguém mais comete seppuku por um membro da família ter dado calote em alguém, então deixe de ser dramático e não finja estar inserido em uma cultura sobre a qual só ouviu falar em orelhas de livros de qualidade duvidosa ou em filmes hollywoodianos.
- Também não acredite em tudo o que você lê no Facebook ou em outras redes sociais. Quase sempre a informação é falsa. Tente se dar ao trabalho de conferir a veracidade do negócio antes de espalhá-lo por aí. Principalmente se estiver acusando alguém de algo criminoso ou imoral. Ninguém vai doar dinheiro se você compartilhar uma imagem de pessoa doente, e normalmente as pessoas que aparecem em fotos de “procurado” são cidadãos comuns que estão sendo vítimas de calúnia/difamação por algum desafeto.
Não, nada do que foi mencionado acima é ser “politicamente correto” e nem estar “em cima do muro”. É usar o cérebro e ter personalidade própria. Ou melhor: ter criticidade suficiente para não agir de forma ridícula. Apregoar cegamente, sem refletir, tudo o que vem de um determinado grupo social é irresponsabilidade e burrice. É compreensível que todas as pessoas desejem se sentir parte de um grupo, mas é muita falta de personalidade concordar com qualquer absurdo apenas para satisfazer a esse desejo.
Se continuarmos nesse passo, com cada pessoa buscando se adequar inteiramente às ideologias pré-fabricadas já disponíveis na sociedade, em breve teremos um país inteiro de grupos radicais competindo entre si por ideologias falidas que estão de 20 a 70 anos defasadas. A briga entre “direita” e “esquerda”, por exemplo, é emblemática: o muro de Berlim já caiu faz tempo, e hoje os bons cientistas políticos não reduzem as ideologias a apenas um eixo de análise. Usam, ao invés disso, múltiplas variantes distribuídas em um plano cartesiano. E ainda tem gente por aí discutindo economia e política como se estivessem nos tempos de Truman e Stalin… Dá até pena.
E o efeito de tanta guerra doutrinária, de tanta radicalização irrefletida dos discursos, de tantas ideologias se insinuando sub-repticiamente em meio a idéias de maior apelo popular, será justamente um aumento da segregação de nosso país em pequenos grupos de interesses, extinguindo por completo qualquer projeto em comum que pudesse tornar nossa vida em sociedade melhor. Freud chama a isso de “pobreza psicológica dos grupos”, identificando nela um risco. E já advertia a esse respeito no final da década de 1920.
Aproveitando-me das palavras de um conhecido meu (e adaptando-as): em um país país no qual as instituições beiram o caos, quando o povo “compra” a segregação acaba com todo o restante de vez. E no meio disso surgem os aproveitadores de todas espécies. É interessante como as pessoas querem combater a intolerância, o preconceito e a discriminação sendo intolerantes, preconceituosas e discriminatórias.
Vamos tentar tornar o Brasil um lugar melhor ao invés de ir radicalizando tudo, o que resultará em tornar essa terra, em definitivo, em um lugar cheio de gente tapada permanentemente em conflito por coisas que sequer entende.
PENSEM antes de formar opiniões sobre algo. PENSAR NÃO DÓI.

Meus agradecimentos a Bruno Assis Gonçalves e Átila Oliveira por algumas considerações que tomei a liberdade de reproduzir aqui.

Por: David G. Borges
Bacharel e licenciado em Ciências Biológicas, licenciado e mestre em Filosofia. Praticante de esportes radicais.

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