Bem-vindos!

DIÁLOGO ABERTO, O ORIGINAL, é um espaço interativo cuja finalidade é a discussão. A partir de abordagens relacionadas a muitos temas diversos, dos mais complexos aos mais práticos, entre teologia, filosofia, política, economia, direito, dia a dia, entretenimento, etc; propõe um novo modo de análise e argumentação sobre inúmeras convenções atuais, e isso, em uma esfera religiosa, humana, geral. Fazendo uso de linguagem acessível, visa à promoção e à saliência de debates e exposições provocadoras, a afim de gerar ou despertar, em o leitor, um espírito crítico e questionador.

Welcome! Bienvenidos! ברוך הבא

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

As mentiras de Silas Malafaia


Por David G. Borges

Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES - 2010). Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES - 2012). Bacharel e Licenciado em Ciências Biológicas pelas Faculdades Integradas São Pedro, Campus II (FAESA - 2005). Professor de Lógica.


  1. Twitter do autor: https://twitter.com/NotInAGoodMood
  2. Este texto foi publicado no site do ENFU!: http://www.enfu.com.br/mentiras-de-silas-malafaia/
  3. Entrevista de Silas Malafaia no programa "De Frente Com Gabi": http://www.youtube.com/watch?v=Myb0yUHdi14
  4. Vídeo-resposta de Eli Vieira, geneticista: http://www.enfu.com.br/geneticista-desmente-o-que-silas-malafaia-disse-a-marilia-gabriela/
  5. Texto de Silas Malafaia no qual ele responde ao vídeo do biólogo Eli Vieira: http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/pastor-silas-malafaia-responde-ao-biologo-eli-vieira

A réplica de Silas Malafaia ao biólogo Eli Vieira, mestre em genética e doutorando na Universidade de Cambridge (que fez um vídeo desmentindo cientificamente o que o pastor disse a Marília Gabriela) está cheia de falácias.

Pra ficar bem claro: dentro do campo de estudo da lógica, “falácia” é um termo técnico usado para descrever uma frase que seja emocionalmente apelativa ou convincente, mas que não possui nenhum conteúdo argumentativo real. Ou seja, não é um argumento - mas convence quem ler/ouvir sem analisar com cuidado. Vou mostrar cada uma delas, dando inclusive o nome técnico de cada uma dentro da lógica (quem quiser pode pesquisar no Google e entender melhor o que estou dizendo).

- “Minha resposta ao doutorando em Genética, que me parece estar defendendo a sua causa na questão da homossexualidade”

Ele já começou o texto agredindo o rapaz. Sabemos que boa parte do público do Malafaia é homofóbico, então jogar suspeita sobre a orientação sexual de alguém é forma de desqualificar o outro debatedor sem nem precisar abordar os argumentos dele. O nome técnico dessa falácia é “argumentum ad hominem” (“argumento ao homem” ou “ataque ao homem”). O que o Silas fez foi isso: “se você discordou de mim e defendeu os gays, você é uma bicha!”. Se trocarmos a palavra “bicha” na última frase por qualquer outra ofensa (“feio”, por exemplo), é fácil ver como esse artifício usado pelo Silas é infantil e não contém argumento nenhum.

- “Toda a argumentação que ele apresenta é apenas suposição científica, sem prova real, e tremendamente questionada pela própria Genética”.

Isso se chama “non causae ut causae” (“tratar como prova o que não é prova”, ou “falácia da falsa proclamação de vitória”). Ele diz que ganhou a discussão, só que não o fez. Se o que o rapaz disse está errado, cabe ao Silas mostrar POR QUÊ (isso se chama “ônus da prova”). Só que o Silas não fez isso, ele se limita a dizer que ele está certo e o Eli (o autor do vídeo), errado. Mas não diz como.

- “É igual à Teoria da Evolução, uma argumentação científica que não pode ser provada”.

Isso aqui não é nem uma falácia, é uma mentira mesmo. Agora eu não estou falando como professor de lógica, mas como biólogo. O cara não sabe nem o que é uma teoria, confunde isso com hipótese. A explicação seria muito longa para colocar aqui, mas quem pesquisar “diferença entre teoria e hipótese” no Google e olhar uns 4 ou 5 resultados da busca vai entender do que estou falando.

- “Não existe ordem cromossômica homossexual, só de macho e fêmea”.

O que raios é “ordem cromossômica”? Esse termo não existe em nenhum livro de biologia que eu conheça.

- “Então, pseudodoutor, não existe uma prova científica de que alguém nasce homossexual, apenas conjecturas”.

Aqui ele repete o ad hominem e a falsa proclamação de vitória. De novo ofendeu o autor do vídeo sem dar nenhum argumento, e de novo se declarou como vitorioso do debate sem dar nenhum argumento. O cara não pode ser "pseudodoutor" se nunca se apresentou como doutor (ele foi bem claro em dizer que era estudante de doutorado, não doutor).

- “Dados de pesquisas americanas: 86% dos homens homossexuais já se apaixonaram ou tiveram relação com mulheres; 66% das mulheres homossexuais já se apaixonaram ou tiveram relações com homens. Como alguém nasce homossexual se já teve relação heterossexual? Isso é uma piada!”

Aqui o Silas foi bem mais sofisticado na falácia que usou. Isso se chama “Cum hoc ergo propter hoc” (“com isso, portanto, devido a isso”). Ele cita um dado qualquer (que não diz de onde saiu, e por isso não é confiável) e cita outro fenômeno em seguida. Depois tenta estabelecer uma relação de causa e efeito entre as duas coisas. O raciocínio que o Malafaia quer que o leitor faça é de que se um homossexual já experimentou, alguma vez na vida dele, uma relação heterossexual, ele não é um "homossexual genuíno". Mas aí ele finge que não existe um fato bastante conhecido: existe uma pressão social imensa para que as pessoas sejam heterossexuais. Muitos homossexuais ficam "escondidos no armário" (é esse o termo?) boa parte de suas vidas, e experimentam relações heterossexuais nesse período para atenderem ao que a sociedade espera deles em comportamento externo. Isso não faz deles "menos" homossexuais, que é o que o Malafaia quer que o leitor desse texto pense.

- “46% dos homens homossexuais já sofreram abuso por homens. A pesquisa é mais estarrecedora ao mostrar que 68% dos homens homossexuais só se identificaram com o homossexualismo após o abuso”.

Novamente, ele não cita fonte da pesquisa dele. Se não citou de onde saiu o dado, o dado pode muito bem ser inventado (porque o leitor não tem como conferir).

- “Se o rapaz metido a doutor em Genética quiser saber mais”

Novamente, um “ad hominem”. Ele ofende o geneticista do vídeo gratuitamente o tempo todo. Isso tem um propósito (existe um padrão no tipo de ofensa), mas irei deixar para explicar mais à frente.

“leia o livro ‘Nascido gay?’, do Dr. John S. H. Tay, que tem mestrado em Pediatria e dois doutorados: um em Genética e outro em Filosofia, e analisou 20 anos de pesquisas sobre o assunto”.

Isso se chama “argumentum ad verecundiam” (“argumento da autoridade”). Basicamente funciona assim: “fulano é importante, logo, fulano está certo”. Ele cita os títulos acadêmicos do autor como se isso encerrasse a questão, mas os títulos em si não querem dizer nada - eles servem, no máximo, de baliza quanto a qual área do conhecimento as opiniões do sujeito são relevantes. Eu sou formado e tenho mestrado em filosofia, e posso garantir que doutorado em filosofia por si só não dá a qualquer pessoa base NENHUMA para discutir biologia ou a questão da homossexualidade. Quanto ao cara ser doutor em genética, isso é um pouco melhor - mas ainda assim pode não ser relevante para a questão, dependendo do caso. Por exemplo: eu também sou formado em biologia, e minha área de atuação sempre foi zoologia. Se você me perguntar sobre uma planta, eu saberei dizer mais coisas que um leigo. Mas também posso cometer erros grosseiros falando sobre o assunto, porque não o conheço tão bem quanto um botânico. Ser doutor em genética é mais relevante para essa questão do que ser doutor em, digamos, artes plásticas - mas ainda pode não ser relevante o suficiente dependendo da área da genética na qual a pesquisa do sujeito se concentrou.

Essa é a falácia mais usada, em qualquer lugar. É um truque sujo, fácil e rápido para ter razão em uma discussão sem fazer esforço. Eu mesmo a uso quando quero encerrar uma discussão sem ter trabalho. Usamos com nossos filhos – “não me questione, sou seu pai!”.

- “Mais uma para o pseudodoutor”

Lembram que eu disse que o Silas estava insistindo muito em ofender o rapaz do vídeo? Notem como ele sempre tenta diminuir ou fazer pouco da formação do sujeito. Isso tem um propósito. O fato de eles estarem falando de genética e do rapaz ser doutorando exatamente nessa área pesa muito contra o Silas. Ele repete sucessivas vezes ofensas como “pseudodoutor” porque sabe que uma frase repetida muitas vezes, mesmo se for falsa, acaba sendo aceita por quem a lê/ouve. Assim Silas consegue colocar em dúvida a credibilidade do geneticista, “igualando” (para o público que cai no truque) a importância da formação acadêmica dos dois. Só que entre a formação acadêmica dos dois há um abismo: o Malafaia é pastor, o outro é geneticista. Quando se discute genética, a palavra do geneticista tem mais peso. Isso se chama “argumentum ad nauseam” (“argumentar até causar náusea”, ou seja, repetir a mesma coisa sem parar).

- “sobre os gêmeos monozigóticos, que são idênticos geneticamente: 35% desse tipo de gêmeo que é homossexual, o seu irmão gêmeo é heterossexual. Logo, conclui-se que geneticamente não se nasce homossexual, e o fator externo, do ambiente, é fundamental para determinar isso. Preferência aprendida ou imposta. Ou todos teriam de ser homossexuais ou todos teriam de ser heterossexuais no caso de gêmeos monozigóticos”.

Esse foi o ponto alto do texto do Malafaia, a falácia mais sofisticada que ele usou. É uma combinação de “falsa dicotomia” com “non sequitur” (“não segue”, ou “conclusão irrelevante”). O que ele faz: apresenta um dado (novamente, sem dizer de onde tirou - o que o torna duvidoso) e força o raciocínio do leitor para que esse dado só possa ser explicado de duas formas (falsa dicotomia). Depois ele vai conduzindo o leitor através de outras falsas dicotomias até chegar a uma conclusão que não tem relação nenhuma com o dado apresentado inicialmente (“non sequitur”).

Um exemplo que usei na apostila que escrevi para dar aulas aos meus alunos:

Ex: “José está atrasado para o trabalho. Ou seu carro quebrou, ou dormiu demais. Ligamos para ele e não estava em casa, então seu carro deve ter quebrado”.

Este dilema é falso, pois muitas outras coisas podem ter acontecido com José para que ele se atrasasse. O número de opções na premissa foi “forçado” a fim de justificar a conclusão. O Malafaia faz parecido: ele tenta forçar o leitor à conclusão de que todos os gêmeos deveriam ser heterossexuais ou homossexuais, sem exceção. Só que em biologia NADA (nada mesmo) funciona assim. E essa conclusão dele simplesmente não tem relação lógica alguma com o dado que ele mesmo apresentou inicialmente.

- “[Algumas fontes de pesquisas do livro citado: TOMEO, M. E.; TEMPER, D. I.; ANDERSON, S. Kotler D. Archives of Sexual Behavior [Registros sobre comportamento sexual], outubro de 2011; 30(5):535-41 ; STODDAR, J. P.; DIBBLE, S. L.; FINEMAN, N. “Sexual and physical abuse: a comparison between lesbians and their heterosexual sisters”, in: Journal Of Homosexuality, 56(4):407-20, 2009.]”

Isso aqui foi bem interessante: Malafaia citou fontes e bibliografia. Isso dá a ele ar de credibilidade, mas tem algo a ser notado aqui: ele não diz qual dessas fontes trata de cada argumento dele. Ele deveria fazer assim: “Sobre os 35% de gêmeos, leia o livro X; sobre os 86% de gays que tiveram relações hetero, leia o artigo Y; etc., etc.”. Ao invés de fazer isso, ele apresenta todas as referências bagunçadas. Isso a caracteriza como uma falácia visual: ele não está DIZENDO nada falso e tentando fazer com que pareça verdadeiro, mas VISUALMENTE está fingindo apresentar fontes que embasam as coisas que afirmou, quando na verdade não está fazendo isso (ou o está fazendo de forma superficial). É preciso destacar que esse é um tipo bem raro de falácia. Silas Malafaia teve algum tipo de treinamento nisso. Outro ponto importante: o rapaz do vídeo colocou, lá no You Tube, todas as fontes para cada frase que ele afirmou (separadas por assunto). E elas são bem mais numerosas que as fontes que o Silas cita aqui. Isso não pode ser usado como critério principal para determinar quem tem mais credibilidade, mas serve de critério auxiliar. Quem cita mais fontes, fontes de melhor qualidade e fontes com mais rigor acadêmico tende a ter “mais razão” do que o outro debatedor. E, até agora, quem ganhou nisso foi o geneticista do vídeo.

- “A verdade é esta: ninguém nasce gay. Não existe prova científica, apenas teorias científicas”.

Essa aqui é muito boa: se chama “argumento do espantalho” (“straw man” - essa tem nome em inglês, não em latim). O Malafaia cria uma “versão” do argumento do outro debatedor (cria um “espantalho”), destrói esse argumento que ele mesmo inventou (destrói o “espantalho”) e diz que, com isso, venceu o debate. Mas na verdade ele não refutou o que o Eli (o geneticista do vídeo) disse, ele refutou a “versão Silas Malafaia” do que o Eli disse. Em nenhum ponto o rapaz do vídeo diz que pessoas “nascem gays”, ele diz que há uma influência genética. Só isso. Inclusive, ele é bem categórico em afirmar que essa INFLUÊNCIA genética não deveria ser entendida como DETERMINAÇÃO genética, e que isso era uma visão ultrapassada de como se via um gene (no início do séc. XX se pensava assim).

O Silas também repete a bobagem sobre teorias mais uma vez. O termo “teoria”, no meio científico, não é usado da mesma forma que no meio do povão. Uma teoria se refere a conhecimentos já comprovados sucessivas vezes. Silas Malafaia confunde isso com “hipótese”, que é o termo que usamos para uma especulação.

Para a esmagadora maioria da população, mesmo pessoas instruídas, todos esses artifícios do pastor passariam despercebidos e pareceriam extremamente convincentes e racionais.




por David G. Borges, Quinta, 7 de fevereiro de 2013 às 20:02 ·

Um comentário:

  1. Já dizia meu velho e sábio pai (que Deus o tenha):
    - "O sábio não versa sobre o que não domina.".
    Faltou sabedoria no pastor ao entrar nesta polêmica em vez de deixar que "os mortos enterrem seus mortos".
    Lamento pelos que são esclarecidos e gostam dele.

    ResponderExcluir

Postagens populares