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sábado, 2 de março de 2013

Conto: Um palhaço, uma mãe e uma missão.


Luiz sempre quis ser palhaço. Filho de pais de origem búlgara; possuía uma grande fascinação pela representação. Desde criança, quando era anunciada a visita de palhaços em sua escola, ou mesmo quando seus pais de mês em mês iam aos circos que visitavam a cidade, ficava atônito, esfuziante, feliz da vida; sempre dizia que aquele fora o melhor dia de sua vida, é claro, foram vários e vários melhores dias de sua vida. Sua reação ao homem de nariz vermelho, cabelos arrepiados e grandes sapatos era natural. Achava interessante como alguém poderia fazer aquilo; aquilo de ter outra face, outro semblante, estar sempre esbanjando alegria, bom humor, contar piadas hilárias, causar diversão e arrancar gargalhadas de todos na platéia, até mesmo de sua diretora ranzinza da qual ele tinha pavor. Luiz ria e ria, por horas, mesmo após o término do show, reunia seus colegas para contar as mesmas piadas e fazia chacota daqueles que tinham medo do narigudo pintado e choravam quando ele se aproximava. Era uma festa. Se havia uma coisa que Luiz gostaria de fazer era brincar de palhaço. Sua mãe, ciente de sua paixão, comprara para ele DVDs de shows de palhaços, algumas roupas, grandes botas e um nariz, além de muita maquiagem espalhafatosa. Sua platéia eram seus bonecos de super heróis que ele tinha uma valiosa coleção. Heróis da Marvel e de outros tipos, mas um em especial que era uma cópia do famoso palhaço Bozo, que Luiz assistia os desenhos na TV e via os vídeos de suas apresentações; grandes atuações diante de sua platéia de bonecos ele fazia.

O tempo se passou e Luiz ainda alimentava seu grande sonho de ser palhaço. Escolheu então cursar Artes cênicas e dar corpo a sua ambição. Desejava ser o melhor de todos e era bastante interessado, talentoso e vocacionado para tal missão. Na escola era normal formar rodas de colegas para contar piadas e fazer imitações dos professores que tinham tiques e expressões bizarras. Era um referencial do humor, um garoto bem popular, fazia sucesso com as meninas e todos gostavam do rapaz, menos aqueles que tinham inveja de sua popularidade, o que era normal. Contudo nunca se aproveitou de seu dom para tirar vantagem dos colegas, dos tímidos e dos menos populares, o que era visto com bons olhos pelo corpo docente do colégio, que sempre o apontavam como um menino de sucesso.

Os primeiros momentos de contato de Luiz em seu novo e primeiro curso foram animadores. O rapaz havia se encontrado, tudo para ele fazia sentido. Havia nascido para aquilo. A simbiose era perfeita. Seus pais, que eram um casal de negócios e comerciantes por natureza, mesmo que achassem no fundo que o filho devesse escolher uma carreira mais segura, voltada para os negócios da família que eram muito lucrativos, apoiavam sua iniciativa, pois percebiam que não poderiam lutar contra uma vocação tão explicita, animadora, que contagiava e que proporcionava tantas alegrias nas reuniões de família, principalmente quando todos se reuniam para as festas de fim de ano, Luiz sempre dava um jeito de fazer seus shows, conquistar a amabilidade das idosas tias, a admiração dos homens de uma família de negócios e os risos insinuantes de suas belas primas do interior. O tempo se passou e Luiz se formou com louvor. Sua mãe que sempre o apoiara e dava incentivo ao filho nos momentos de dificuldades e de tristeza, estava lá, para ser a sua acompanhante na colação de grau. Uma bela festa. Muito choro, riso e belas palavras, como é toda inesquecível colação de grau.

O hilário moço deu forma ao seu personagem preferido, o palhaço. Começou pelo teatro, várias turnês e apresentações. Todos começaram a gostar de seu trabalho. Com o reconhecimento conquistou o espaço na televisão em uma programação infantil, mas não abandonou os palcos de teatro, era sua maior diversão, achava mais excitante estar em contato direto com a platéia. Seus pais vez em quando viam assistir suas apresentações e dificilmente perdiam seu programa de TV, exibido pelas manhãs.

Em um dia tranqüilo e normal Luiz recebe um telefonema em seu escritório residencial. Era sua mãe. Ficava sempre feliz quando ouvia sua voz, mas nesse dia desligou o telefone com um forte aperto no peito. Sua mãe ligara para informar que havia contraído um tipo raro de câncer e que só possuía mais alguns meses de vida no auge dos seus 50 e poucos anos de idade. Agora era só esperar o tempo passar e aproveitar o restante da vida fazendo aquilo que gostava e bem ao lado daqueles que amava. A medicina á desenganara. Uma sensação bem estranha sentia Luiz, aquela de ver sua mãe bem ali ao seu lado, mulher de pulso firme, mas amável, que sempre possuía uma palavra sábia para lhe dar, uma guerreira que era seu porto seguro, fonte de inspiração para muitas de suas palhaçadas, que sempre acreditara no seu talento e incentivava o moleque a seguir seu caminho, mesmo quando todos não pareciam se importar, mas que daqui a alguns míseros dias iria partir desta vida através de uma doença que não perguntou se poderia fazer acontecer tal tragédia ou se esse era de fato o momento certo para aquilo que era deixar de ser, um presente da morte, uma fatalidade da natureza.

Pelos cálculos médicos haveria ainda mais ou menos dois meses de vida para dona Flávia, contudo nessas condições e perspectivas os dias se passavam muito rápidos e sua família mesmo sentido uma terrível dor pela perda iminente, tentava esbanjar alegria e fazer dos seus últimos dias memoráveis e satisfatórios, para que todas as consciências pudessem ser satisfeitas, mesmo que talvez fosse isso improvável. Luiz, por sua vez, experimentou pela primeira vez em muitos anos uma crise de profunda tristeza em seus dias. Era um profissional do humor, mas não possuía humor nem para ele mesmo. Naquele momento sua vida era de uma ausência de humor, alegria e inspiração tão grande que o jovem rapaz pode perceber o poder que sua maquiagem, que lhe dava um belo falso sorriso e os textos dirigidos aplicados com as técnicas de interpretação, proporcionava para que sua missão fosse concluída, mesmo que intimamente não possuísse condições nenhuma para isso. Luiz entendeu que o dom que fora lhe dado custava muito caro. Sua missão era de levar alegria aos lares, ás pessoas, ás famílias, mesmo que sua própria vida, sua própria família estivesse imersos em um grande poço de tristeza. Entendeu que a natureza do vocacionado era completar sua jornada, mesmo que as pedras estivessem no caminho, à tentação batesse á sua porta ou a vida lhe desse uma tremenda rasteira quando menos esperasse. Viu então que a própria vocação lhe proporcionava a força que precisa, para continuar mais um dia; percebeu que aquilo que nasceu para fazer deveria ser feito, pois não é apenas parte de si, mas uma transcendência para o mundo real, de partes que se complementam em um todo. Um dom que não fora dado ou recebido para satisfação própria, ou para apenas momentos felizes, mas para a satisfação e a motivação de diversas pessoas. Observou que um riso de uma pequena criança lhe dava animo para por um momento esquecer a tristeza que invadia seu ser e poder ser instrumento da alegria para diversas pessoas. Mesmo doente, em fase terminal sua mãe lhe dizia, “não pare meu filho, não deixe de fazer ás pessoas felizes, esse é o seu dom e esse será seu consolo nos seus dias tristes”. Pode perceber que sua mãe também possuía um dom e o exercia mesmo em vista da morte, o dom de aconselhar, o dom de amar, o dom de ser mãe, o dom de dar a sua vida pelos queridos. Isso o fez entender que não poderia parar, nem desanimar. Seus pensamentos foram direcionados para uma perspectiva positiva de tudo aquilo que estava enfrentando. Estava naquele momento vencendo seus demônios, seus medos. Vencia todos os dias sua grande tristeza, seu luto, sua dor de perder seu ente mais querido, em nome do reino da Alegria.

Ao fim dos dois meses, como previsto pelos médicos sua mãe falecera numa tarde ensolarada de segunda-feira. Luiz estava no trabalho, vestido como um palhaço, prestes a dar inicio a uma apresentação quando recebeu a noticia da fatalidade. No outro dia seria o cortejo fúnebre. Cancelou todos os seus compromissos e partiu rumo ao velório, vestido mais uma vez como palhaço. Pintou-se, fez o tradicional sorriso de uma arte antiga, mas que nunca perdeu a graça; colocou seu nariz vermelho, usou sua melhor bota e foi, para aquela que seria sua apresentação máxima, magnânima; a coroação de todo o seu trabalho. Aquele momento representava a divisão de dois momentos em sua vida. A busca pelo sonho e a concretização dele. Sentia que a morte de sua mãe lhe deixara um grande recado: ele havia vencido e ela juntamente com ele. Sua morte não era apenas um pesar, uma fatalidade do acaso, era a coroação e a glória de uma guardiã, uma auxiliadora, uma guerreira, uma guia da natureza e representação da graça. É interessante que na maioria dos momentos de glória, as pessoas nunca costumam esquecer-se de suas mães, essas sempre são lembradas, a despeito dos pais que geralmente não possuem papel central na vida do filho quando se fala em sonhos e na realização desses na perspectiva de motivação e confiança. Elas sempre acreditam. Flávia sempre acreditou. Ali estava um fruto do amor incondicional, selando o seu compromisso com o seu presente mais valioso dado talvez por Deus, ou pelo acaso, pelo destino ou natureza, não saberia dizer, mas na forma e condição de presente existencial, as mães sábias e valorosas, amantes e firmes, doces e corretas, bravas e ingênuas, onipresentes se tratando da matéria filho e divinas ao ponto de fornecerem paz através de um simples olhar, um afago, um abraço, uma frase e um puxão de orelha, sempre ensinando a respeito da arte de viver. Delas herdamos a capacidade de enxergar o amor e acreditar em um futuro bom. Luiz estava ali para tentar dizer tudo isso. Era o menestrel do momento. Suas lágrimas que não paravam de cair misturavam-se com sua maquiagem e produziam um aspecto triste e sombrio ao homem que usava máscaras para aparentar que tudo estava normal; mas não era possível, diante de verdadeiros sentimentos, nenhuma máscara resiste. A tristeza era o seu verdadeiro sentimento naquele momento, misturada com altas doses de nostalgia, saudosismo, saudades, paixão e principalmente luto. O padre, condutor da cerimônia, passou então a palavra para o grande orador, Luiz, o palhaço. Entrou em cena, como seu fosse a sua primeira vez, com uma rosa na mão, uma colorida roupa, centenas de pessoas enlutadas a sua volta; nunca havia enfrentado uma platéia tão triste, seria impossível reverter os ânimos, colocar sua arte em prática, arrancar risos, mas mesmo assim lá foi o herói de botas pretas, tentar ao menos trazer á tona as boas lembranças que nos fazem reviver momentos de felicidades eternizados nos corações daqueles que a conheciam, mesmo que a felicidade nunca seja novamente revivida em sua totalidade nas lembranças, mas que uma pequena porção é memorada e aquele sentimento por um momento capta um reflexo da alma que não se perde, mas está bem vivo, alimentada pela capacidade humana de ser eternamente um, apesar de insistirem em nos separar em três: passado, presente e futuro por diversas razões. Luiz então disse diante de todos:

Hoje, tiro todas as minhas máscaras, mas deixo apenas uma: a de que mesmo com toda dor, sofrimento e perda de que a vida nesse momento nos proporciona através dessa inexplicável perca, o sorriso nunca possa faltar em nossos rostos, pois a esperança nada mais é do que uma nobre tentativa de acreditar quando tudo permanece um sórdido caos. E talvez alguns se perguntem: acreditar em que? Eu digo: acreditar no amanhã. Acreditar em nossos sonhos. Acreditar que são possíveis dias melhores. Acreditar no olhar de uma criança. No feliz choro de uma mãe. No abraço de um amigo. Na luz do sol e no verde dos campos. Na vitória daqueles que são desacreditados. No talento dos que não possuem chances. Na vida, que é a progenitora de todo esse teatro de emoções inexplicáveis que sentimos. Acreditar que a jornada pode valer à pena e que tudo é possível na medida da crença se o sacrifício necessário for feito. Acreditar que todo dia é o último e que nunca teremos ninguém para sempre, fazendo de cada momento uma chance para ser feliz. Acreditar que a morte não pode nos impedir de sermos eternos. Acreditar que é possível ser útil para se fazer o que é correto e que o mundo é construído por pessoas que ousaram desafiar seus limites ou os limites que foram impostos por quem nunca cruzou a linha do possível e do óbvio. Acreditar que é necessário acreditar. Flávia, minha mãe, sempre acreditou e eu sou um dos frutos dessa crença e ainda posso ver uma grande e frondosa árvore, lotado de tais frutos bem aqui, em minha frente, vindos de todos os lugares. Hoje não viemos celebrar a morte, viemos celebrar o poder de acreditar.”

Ao terminar, Flávio ainda possuía seu maquiado sorriso de palhaço, manchado pelas lágrimas que não paravam de cair, contudo amanhã ou depois tudo estaria em sua ordem perfeitamente mais uma vez. E a vida continuava.



Rodrigo de Barros Mascarenhas



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