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sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Entrevista com Madihah, uma sobrevivente da chacina de Jericó- Parte 3


1. Esta é a terceira parte da entrevista com Madihah, uma sobrevivente da chacina realizada por Israel, liderada por Josué, a Jericó. Ela conta, condensadamente, algumas das principais coisas que ocorreram naquele dia, de muito choro e sofrimento. Leia, e tente perceber o sentido real dessas palavras, pois foi aquilo que esta pobre mulher vivenciou.


"Gritou, pois, o povo, tocando os sacerdotes as buzinas; e sucedeu que, ouvindo o povo o sonido da buzina, gritou o povo com grande brado; e o muro caiu abaixo, e o povo subiu à cidade, cada um em frente de si, e tomaram a cidade. E tudo o quanto havia na cidade destruíram completamente ao fio da espada, desde o homem até à mulher, desde a criança até aos idosos, e até ao boi e ao bezerro, e ao jumento". Josué 6.20-21




-Fala-me, Madihah, o que aconteceu com Kalih no momento em que primeiro soldado israelita conseguiu ultrapassar a porta da casa?

-Foi assombrosamente terrível... [interregno cheio de memórias escuras, com luz baixa de tristeza perpassando o ambiente, e de faltantes braços quentes de amor]

-Kalih fez o que pôde, sim... Eu sei que fez... [intenção trêmula; postados os olhos ao canto, enquanto a alma, imaginando lembranças atordoadas]

-No momento em que Kalih se pôs vis-à-vis com o soldado israelita, com a perna direita para trás, com os braços se movimentando velozmente de adrenalina, e os punhos fechados como instinto de proteção,  já não havia muito o que fazer. Ouvi-o gritando, com voz desafinada e bastante aguda, para desespero maior de todos nós: "O que vocês querem de nós? O que fizemos para tanta raiva ser derramada em nossas terras? Saiam de minha casa, saiam de minha casa!". 

-O fogo, naquele momento, começou a se alastrar mais intensamente. A fumaça começara a ficar sufocante, a visão cada vez mais turva, e os primeiros tossidos a sair. Como já disse, eu estava com as crianças perto da porta dos fundos da casa, observando Kalih e o soldado. O calor do ambiente incomodava bastante, e, quando olhei para cima, ao ouvir um ruído no teto, percebi que o risco de desabamento já se fazia notório. Conhecia as estruturas de nosso ninho, não eram de primeira qualidade, não se faziam plenamente boas. Nós constituíamos uma família de camponeses, colhedores de rosas da primavera, criadores de cabras no terreiro ao fundo, não possuíamos os melhores materiais de construção. Ouvia constantes estalos das madeiras, junto do barro cozido emendado com feixes de tecido. Temi ainda mais!

-Os três israelitas que estavam para o lado de fora pararam de chutar as quebradas partes que restavam da porta. Achei que iam interromper o arrombamento, a fim de nos darem qualquer mínima trégua de esperança. Porém, estava completamente equivocada!  Percebi meu erro logo quando um dos soldados que estavam à porta falou, em alta voz, para o que estava posicionado dentro de nossa casa, ao me ver junto de minhas filhas: "Fique você aí, eles são apenas camponeses sem armas, frágeis como uma mulher e duas filhas pequenas [irônica e debochadamente]. Dará conta! Iremos avançar". O soldado invasor, de armadura espessa e grandemente fortificada, com sua espada desembainhada, que gotejava sangue de outras vítimas anteriores, apontada para Kalih, flamejada de raiva e radicalidade religiosa, virou sua fronte para trás e respondeu a seu comparsa: "Podem deixá-los a mim. Yaveh está comigo, e seus deuses pagãos não os poderão livrar de Sua sagrada ira! 

-A partir disso, tive a sensação de que nossas esperanças ventaram de nossas mãos. Minhas pernas fraquejaram por um segundo, meus joelhos tocaram o solo. Eu, com Amber em meu colo, com lágrimas tímidas, misturadas ao suor, sobre o rosto; lábios tremulantes de desespero e pessimismo, incapaz de fazer ao menos a mínima coisa, fitava os olhos, como que em visão lenta, em Kalih e no soldado. O som da última fala deste ecoava em minha mente, perpassando todos meus nervos e sentidos, fazendo com que, por um interregno,  exaurissem-se os barulhos externos dos gritos, das correrias, das marchas, das buzinas, dos cavalos, dos incêndios, das espadas, dos carros, da fúria, da injustiça, do sofrimento, da desolação! Em minha nuca, apenas podia perceber o soluço apavorado de Leena, mas não tinha força para me virar, pus-me em choque. 

-E com Kalih, Madihah? Que sorte lhe sobreveio?

-Aquela a qual meu coração não esperava nem conseguiu, ainda que depois de tantos anos, superar. [cabisbaixa, olhos fechados, sobrancelhas contraídas, cotovelos na coxa, com mãos na face, sobrevém-lhe o lamento]

-Estavam lá, frente à frente, Kalih sem reação, perplexamente imóvel, tremulante. Vi quando o soldado levantou sua espada, segurando-a com as duas mãos, e gritou: "Morra, pagão!"... Não há detalhes... Na verdade, não os quero contar... São machucantes! 

-Conta-me até onde puder, Madihah, não quero fomentar tua tristeza. Diga-me tua reação. 

-Abruptamente cai em si, vi-me sair do estado de estagno e choque, estendi meu braço direito à frente, perdi o equilíbrio, e meu corpo foi tristemente se inclinando, até quando toquei a palma da destra no solo. Instintivamente segurava Amber sem a desproteger, no meu braço esquerdo. Foi sem forças, sem gritos, com profundo suspiro, por várias vezes, que soltei só uma palavra: "Não!". Consegui sentir o som do aço, rasgando o corpo de meu amado, sem ter mais como nos proteger, pois, agora, já não era. O sangue que jorrava escorria por toda parte, saindo de seu corpo tombado e pisoteado por aquele animal! 

Continua...

André Francisco

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