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sexta-feira, 8 de junho de 2012

Aprendendo com os Ameríndios - Parte 1



Nesses aprox. 100.000 anos de homo sapiens (com essa estrutura corporal que temos hoje) a humanidade passou por inúmeras transformações epistemológicas, ontológicas e metafísicas. Temos um grande avanço, com a invenção da linguagem comunicativa escrita há aproximadamente 7.000 anos, onde podemos registrar nossos pensamentos a respeito dos diversos assuntos. A invenção do pensamento sociológico, como ciência, é recente (durkheim e weber), contudo, suas manifestações e seus acontecimentos, como um fenômeno, se dá desde que o homem é homem e as estruturas sociais se manifestam.

Com isso, posso afirmar que nós, homens, pertencentes ao mundo pós – moderno (alguns definiriam como modernidade tardia, outros como apenas modernidade), que temos o des – foco da verdade (idade média – Deus, modernidade – Ciência, Pós – modernidade - ?), e uma enorme frustração com as estruturas sociais vigentes, poderíamos, de vez em quando, olhar a história nestes milhares de anos (100.000) e buscar uma luz para nossos problemas. Nada melhor que projetar (ou tentar) o futuro, olhando para o passado, pois é de lá que olhamos nossos erros, nossos acertos e refletimos a respeito de nossas possibilidades.

Os ameríndios (povos indígenas americanos) foram um desses marcos do passado que contribuíram na história, com uma ecosofia interessante e que podemos retirar lições esquecidas ou pouco lembradas. Como esse texto não passa de uma análise, não pretendo aqui propor uma “receita de bolo” para nossos problemas, mas mostrar que nem sempre fomos assim (emergidos no caos) e que talvez haja uma esperança de mudança em nossos sistemas de vida.

Quero lhes mostrar a perspectiva de um pequeno povo, em sua vivência da realidade e de sua cultura ancestral, se estabelecendo como um contraponto fundamental em relação à forma de vida que implica a todos nós.

Ensina-nos Rudolf Bultmann que o pensamento mitológico concebe a ação de Deus na natureza, na história, no destino humano ou na vida interior da alma. Intervém no curso dos acontecimentos: rompe, e ao mesmo tempo enlaça os acontecimentos. A ideia da ação de Deus como ação no mundo tem lugar no pensamento ameríndio - no caso o guarani - como acontecimento que une o sobrenatural e o mundano, de tal modo que não há separação entre eles. Há uma totalidade. E esse acontecimento só é percebido pela implicação da ação humana nele. Eles mesmos, como homens, são sujeitos da ação da divindade. A relação não seria sujeito-objeto, mas sujeito-sujeito. É uma relação de liberdade, de confiança que se sente e sabe nessa relação.

O pesquisador Chamorro, ao pesquisar o Avatikyry, a festa religiosa guarani que acontece todos os anos quando o milho começa a amadurecer, registra a fala do cacique Lauro, que explica a razão pela qual eles entoam o canto sagrado nessa ocasião:

Quando cantamos o “heee he he” (canto sagrado) - Nanderára recebe a palavra que lhe enviamos. Ele diz: Bom filho de Deus. Isto acontece no céu, mas nós nos damos conta que Deus nos está chamando. (...) reconhecemos que Deus já está adornando o corpo de itymbi, que é criatura e é Deus ao mesmo tempo. E ele com sua dança faz brotar e crescer o milho até amadurecer. A gente não vê isso, mas nós cremos que está ocorrendo.

Tal pensar não é apenas simbólico, mas concepção que afirma as ações de Deus como ações em relação existencial com o mundano, sua ação é sobre todos os entes.

Na prática os indígenas não separam o que costumamos separar. Nesse sentido a sua religiosidade condensa e sintetiza de uma forma fascinante a indissolubilidade entre o homem e o cosmo, a individualidade e a coletividade, a arte e a vida, a ética e o estético.

O filosófo Guattari (1989) de certo modo reafirma o fundamento desse modo de vida ao dizer que se tornou imprescindível a construção de uma nova ecosofia, conceito que articula as três ecologias: a mental, a social e a ambiental. Ou seja, as relações consigo mesmo, seu corpo, os mistérios da mente, emoções, sensações; relações com os outros , desde as relações geradas na família passando pelo bairro, cidades até aquela que se estabelece entre nações e povos; relações dos seres humanos com a natureza, passando pelas relações espirituais expressas pela religiosidade, até às ações motivadas pela necessidade de sobrevivência.

Singular e assombroso o destino de um povo como os Guarani!
Marginalizados e periféricos, nos obrigam a pensar sem fronteiras.
Tidos como parcialidades, desafiam a totalidade do sistema.
Reduzidos, reclamam cada dia espaços de liberdade sem limites.
Pequenos, exigem ser pensados com grandeza.
São aqueles primitivos cujo centro de gravitação já está no futuro.
Minorias, que estão presentes
Na maior parte do mundo.

Bartolome Meliá

Situações como estas nos chamam a reexaminar, a repensar questões que sempre foram o fundamento de uma civilização em construção como aquelas... e como a nossa: O que significa ser um ser humano ? o que entendemos por real e realidade? Definiu-se o homem primeiramente pelas necessidades, a começar pelas necessidades econômicas. Ora, obviamente que a definição de homem é ideológica e simetricamente a ela desenvolve-se a ideologia econômica moderna. Sendo o homem definido como ser de necessidades, o problema maior é o da satisfação das necessidades que se desdobram como necessidades artificiais, desenvolvendo nele a “obsessão do bem-estar”. E isso está relacionado ao que perguntávamos em nossas aulas de filosofia: O ter é um mal em si ou pode vir-a-ser? Tal indagação nos leva a pensar como nos comportar frente a um mercado que desenvolve a cada dia estratégias mais agressivas para nos enredar cada vez mais no desejo de posse. Querer ter mais não é tão inocente quanto parece a alguns, é uma das armadilhas da existência levada às últimas conseqüências pela civilização ocidental.

Os bárbaros não são, como alguns de meus inocentes alunos às vezes pensam, os povos com tecnologias primitivas. Bárbaros são povos sem sentido regressivo do passado, os erros do passado, as loucuras do passado, que estão aptos a atacar as potencialidades do presente com menos inibições. Portanto, o que caracteriza o barbarismo é uma ausência de memória histórica”.

Philip Rieff

Obs. Primeira Parte de um Todo, Semana que vem Postarei a Segunda Parte.

Referência Bibliográfica
SCHUBERT, Arlete pinheiro – A sabedoria Ameríndia – Uma antiga Ecosofia

Por Rodrigo de Barros Mascarenhas


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